Teve sucesso onde ele escasseava: impostos, saúde e banca. O “senhor fisco” agora é ministeriável ou hipótese para o Banco de Portugal? O que tem afinal, Macedo?
“Ninguém me contactou, portanto, não há qualquer convite” para ser o próximo ministro das Finanças. Paulo Macedo não disse que não aceitaria, caso Luís Montenegro o convocasse para o Governo. Limitou-se a confirmar , aos jornalistas, na conferência de imprensa em que apresentou um lucro-recorde na Caixa Geral de Depósitos (CGD), a 15 de março , que não foi abordado oficialmente pela AD. Mas o nome do administrador do banco público, antigo diretor-geral dos impostos de Manuela Ferreira Leite e ministro da Saúde de Passos Coelho, que termina o seu mandato na CGD no fim do ano, foi falado no círculo de Montenegro como um dos potenciais ministro das Finanças.
Paulo Macedo implementou medidas impopulares; mesmo assim, deixou as instituições onde trabalhou com a reputação em alta
José Sena Goulão/lusa
“Seria um erro não o contactar”, defende, à SÁBADO, Miguel Relvas, ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares do Executivo de Passos. “Sendo que, pessoalmente, acho que o preferia ver como governador do Banco de Portugal.” Este é outro dos cargos para que Paulo Macedo tem sido apontado, uma vez que poucos meses depois de terminar o seu mandato como CEO da Caixa será a vez de substituir ou renovar o governador do Banco de Portugal, no verão de 2025.
O que tem Paulo Macedo?
O que faz dele o gestor de que Ferreira Leite, Passos Coelho e Luís Montenegro se lembraram para postos complicados? “Tem uma formação técnica de excelência, é ponderado, e não trabalha para a espuma dos dias. Não compromete o longo prazo, por isso, tem resultados excelentes e é um dos grande quadros de Portugal. Ele não precisa disto, mas ainda bem que aceita estes cargos”, refere João Duque, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). São amigos pessoais e foram ambos professores no ISEG, onde Macedo se licenciou em Gestão de Empresas com 15 valores.
Paulo Macedo cresceu em Queluz numa família de classe média. A mãe nasceu em Macau, o pai era ribatejano, comunista, poeta e artista plástico. É este que lhe cultiva o gosto pela arte, que continua a alimentar. Macedo foi consultor fiscal na Arthur Andersen; foi administrador e vice-presidente do BCP e, por essa altura, na década de 90, colaborou pela primeira vez com um Governo, integrando a Comissão para a Reforma Fiscal de Silva Lopes. Reservado, estava habituado a estar na sombra, quando, em 2004, Manuela Ferreira Leite, então ministra das Finanças, aposta nele para inspetor-geral dos Impostos. Salta logo para as manchetes dos jornais. Para o convencer a deixar o BCP, a governante iguala-lhe o salário ao de banqueiro: 23.480 euros mensais. A remuneração, muito superior à do Presidente da República não cai bem, e nem a missa que Paulo Macedo mandou rezar quando foi empossado o protegeu das críticas. O “senhor fisco”, alcunha que ganhou enquanto esteve na Direção-Geral das Contribuições e Impostos, lidou com as vozes dissonantes sempre da mesma forma: seguiu o seu plano.
Sério em público, em privado adora estar com amigos. No aniversário, convida centenas. E nos tempos do Governo “a festa de anos parecia um Conselho de Ministros”, conta o amigo João Duque
Pedro Catarino
Evita falar com jornalistas, para não cometer gafes, a criptonite dos políticos; é sempre o primeiro a chegar e o último a sair do local de trabalho; faz questão de ter um domínio exímio dos dossiês que tem em mãos e é discreto na vida privada. No fim, foi aplaudido por ter conseguido cobrar impostos considerados causas perdidas e por ter melhorado de forma radical a eficiência da máquina fiscal.
Sobreviver a tangentes
Pedro Passos Coelho, em 2011, discutiu o tema “Macedo” com Miguel Relvas. Era um homem de números, sem percurso na Saúde. Mas no novo governo assume uma pasta que tritura governantes, porque o perfil estudioso, reto, técnico e sem receio da impopularidade, convence. “Temos de olhar para o momento de crise que estávamos a viver [durante a intervenção da troika]”, explica Miguel Relvas. “As Finanças até seriam uma pasta mais fácil, a Saúde era mais técnica e tinha maiores dificuldades. E ele era de uma grande constância política e emocional. Passos sabia que o Paulo Macedo faria reformas com bom senso e que não deixaria de estar no espírito global do governo”, continua o antigo braço-direito do ex-primeiro-ministro, que recorda que, durante os Conselhos de Ministros, Macedo “deu contributos importantes”, por exemplo, nas privatizações da EDP e da ANA.
Como ministro, enfrentou das maiores ondas de descontentamento da classe médica e a contestação à volta do medicamento novo e caro para a hepatite C que a Saúde se atrasou a comprar. A 4 de fevereiro de 2015, um doente gritou-lhe no parlamento “não me deixe morrer”. Foi um dos momentos mais tensos da sua carreira, que confessou, em 2018, num livro editado pelo Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte sobre o tratamento da hepatite C: “Não foi fácil negociar sob uma grande pressão mediática, com as acusações recorrentes de economicismo utilizadas sistematicamente contra o decisor público.”
Apesar disso, é apontado como um exemplo na pasta e tinha boa relação com os dirigentes das instituições. Em 2017, chega à administração da CGD, estando o PS no Governo e depois de o antecessor, António Domingues, ter sido trucidado , só durou quatro meses , por ter exigido não apresentar declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional, por acumular a presidência executiva e não executiva e por ter administradores a mais (19 contra os 15 que a UE queria). Macedo aceita e aguenta incólume: provoca uma série de transformações, aumenta os custos das contas, e é sob a sua liderança que o banco passa a apresentar um lucro recorde. Tempo para outra tarefa?
Rita Rato Nunes
Há 18 minutos