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O Governo deve guardar a margem orçamental que tem?

Carlos Brito e João Duque O excedente orçamental de 2023 deu margem para discussão. Devia ter sido menor? Deve ser usado? Em quê? A discussão divide políticos e economistas SIM O Instituto Nacional de Estatística divulgou esta semana que Portugal teve no ano passado um excedente orçamental que corresponde a cerca de 1,2% do PIB. As reações não se fizeram esperar. Fernando Medina congratulou-se com o facto, afirmando que são “excelentes notícias para o país”. Já do lado do BE e do PCP as críticas foram as que já se anteviam: que aquele saldo deveria ter sido usado para responder aos problemas sociais dos portugueses. Curiosamente, também do PSD surgiram reações negativas, com Duarte Pacheco a culpabilizar o Governo por não ter utilizado aquela folga para evitar a degradação dos serviços públicos. E dentro da própria esfera socialista emergiram reparos, com Carlos César, presidente do partido, a afirmar “espero que o excedente não seja um excesso”. Enfim, parece que numa altura em que se inicia uma nova legislatura, todos, à exceção de Medina, estão de acordo que havia margem para se ter feito mais. Mas será que há efetivamente espaço para ir mais além? Em primeiro lugar, deve-se recordar que, em meio século de democracia, apenas em três anos se registou um superavit das contas públicas: no ano da revolução, em 2019 com o Mário Centeno como ministro das Finanças e agora em 2023. Convenhamos que a performance não é brilhante. Em segundo lugar, há que reconhecer que a troika e os Governos de Passos Coelho e António Costa contribuíram de forma decisiva para o equilíbrio das contas públicas. Equilíbrio finalmente atingido em 2019 e só não repetido no ano seguinte em virtude da pandemia provocada pela covid-19. Houve um saldo positivo, mas não significa que haja folga. O endividamento continua elevado Em terceiro lugar, apesar de todos os sacrifícios e cativações, a verdade é que o montante global da dívida pública se situa hoje num nível superior àquele que se registava aquando da intervenção da troika. A sua contração para os 100% do PIB fica-se a dever ao crescimento do próprio produto interno nominal. E não nos esqueçamos que a meta é de 60% de acordo com o Pacto de Estabilidade e Crescimento cujas regras deverão regressar em 2025. Face a isto, volto a perguntar: há folga orçamental? De facto, houve um saldo positivo em 2023, mas isso não significa que haja folga. O nível de endividamento continua demasiado elevado, os desafios com a defesa e a transição energética vão implicar investimentos significativos e a incerteza quanto ao futuro é grande. Se a isto somarmos a tentação de dar tudo a todos (professores, médicos, polícias… e os mais que vierem a seguir, porque também têm “direitos”) a situação pode rapidamente descontrolar-se, até porque se está perante a criação de despesa permanente. É por isso que o perfil do futuro ministro das Finanças é crucial. Aquilo de que o país precisa é de um “diretor financeiro” que, sabendo articular compromissos decorrentes dos projetos de desenvolvimento propostos pelos seus colegas nas várias áreas da governação (Economia, Educação, Saúde, Habitação…), não coloque em causa o equilíbrio estrutural das contas públicas. Porque, se não o fizer, iremos comprometer o futuro dos nossos filhos deixando-lhes um país pior do que aquele que herdámos. O que, além de irresponsável, seria extremamente injusto. Professor da Porto Business School NÃO mas. José Sócrates deixou o Governo com três grandes problemas nas finanças públicas portuguesas: o défice explosivo que lhe rebentou nas mãos; a dívida pública que não estava devidamente consolidada e por isso muita dela encoberta, mas que era colossal; e a própria composição das receitas e despesas orçamentais. Deixando de lado a composição final das receitas e despesas do Estado e resolvido o problema do défice pelos governos de Passos Coelho e António Costa, resta a dívida. Se a dívida não for alimentada por défices orçamentais, o crescimento da economia e a inflação ajudarão a reduzir o problema quando este se mede através rácio entre a dívida e o PIB. Bastam 2% de inflação e 1% de crescimento real e a meta da União Europeia é satisfeita. Ao longo destes anos, as subidas do PIB não foram famosas e sem inflação o percurso foi lento. Demorámos cinco anos a descer dos 135,2% até aos 116,6%, reduzindo 3,7 pontos percentuais por ano. Mas com a pandemia o indicador disparou para os 138,1%! Daí para cá tem sido a “mata cavalos”, chegando agora aos 99,1% do PIB! Claro que a inflação deu uma excelente ajuda e o crescimento real do PIB também. Mas num ano com uma inflação média de 4,3% e a duplicação nas taxas de juro com reflexo na vida direta das famílias e das empresas, a política fiscal não deu tréguas, nem a despesa pública cumpriu o orçamentado. Foi uma política pró-cíclica de agravamento das dificuldades das famílias. Cheira um bocado a finanças públicas salazarentas com ouro nos cofres, mas sofrimento nas ruas Conseguiu-se um excedente orçamental histórico, e Mário Centeno perdeu o título de recordista nacional sacado por Fernando Medina e pago pelo povo. Mas confesso que cheira um bocado a finanças públicas salazarentas com ouro nos cofres, mas sofrimento nas ruas. Foi com sangue, suor e lágrimas que os cidadãos portugueses enfrentaram, em 2023, o monstro que Fernando Medina quis degolar: a dívida pública. Terá valido a pena? O que teria sucedido se os polícias tivessem sido aumentados, se os jovens já tivessem sido beneficiados com IRS mais benevolente, se a classe média tivesse mais folga para enfrentar o banco e o supermercado? Se em lugar de termos um excedente imprevisto de EUR3,2 mil milhões tivéssemos “apenas” metade, tendo usado EUR1,6 mil milhões de alívio fiscal? Espantosamente, poderíamos acabar por ter reduzido ainda mais o rácio porque, se parte do rendimento disponível acrescido tivesse sido canalizado para a economia em lugar de estar esterilizado em depósitos em bancos centrais, esta crescia e nem teríamos necessidade de emitir mais dívida. Mas mesmo que o rácio ficasse prejudicado em 1%, qual o impacto nas finanças públicas? Provavelmente a dívida pública sairia mais cara no futuro entre 3 a 7 pontos-base, de acordo com estudos empíricos. Ou seja, em vez de estar a 2,78% a 10 anos poderia estar a 2,83%. Claro que a dívida privada também sofreria, mas não teria sido mais sensato desfasar-se o esforço no tempo em vez de escolher este ano difícil, em concreto? O país ficou melhor, o povo pior. Mas atenção! Agora que o excedente cá está, não lhe toquem. Porque há ainda muita dívida “excedente” para amortizar! Presidente do ISEG