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Fim das portagens nas ex-Scut com efeito limitado às populações locais

O fim das portagens nas ex-Scut está longe de constituir uma boa medida para levar o desenvolvimento aos territórios do interior, alertam alguns economistas. Apesar do efeito imediato nas populações. A abolição das portagens em grande parte das auto-estradas nacionais vai provocar um aumento da despesa pública (para compensar a IP , Infra-estruturas de Portugal pela perda de receita das concessões rodoviárias), acentuar a desigualdade entre os custos do modo rodoviário e ferroviário e não terá um impacto substancial no desenvolvimento dos territórios do interior. Já os utilizadores dessas regiões e as empresas mais dependentes do transporte de mercadorias serão os grandes beneficiados por essa medida. Esta a opinião de especialistas contactados pelo PÚBLICO, que se mostram cépticos sobre a eficácia da medida no que diz respeito ao desenvolvimento de regiões mais desertificadas e menos dinâmicas do ponto de vista económico. Para José Reis, do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, a abolição das portagens não é um instrumento de desenvolvimento do interior. “Não sou um fã da abolição das portagens, pois aquilo de que menos precisamos é do incentivo ao uso do automóvel ou dos camiões, sobretudo tendo em conta a estratégia de transição ambiental. E, no que diz respeito ao desenvolvimento regional, não é pelo embaratecimento das viagens para os territórios a que chamamos interior que estes se desenvolvem. É claro que o rendimento disponível de quem lá vive aumenta e as pessoas ficam mais contentes, mas não é isso que desenvolve o interior. E dentro de uns anos cá estaremos para ver se vai haver uma grande diferença.” O também professor da Faculdade de Economia de Coimbra recorda que as Scut (sem custo para o utilizador), tal como diz o nome, já foram auto-estradas não pagas pelos utilizadores e nem por isso, na época, foram transformadoras no desenvolvimento das regiões que atravessam. “Eu não quero olhar para o chamado interior como regiões desprovidas de capacidade para se desenvolver e a precisarem de medidas assistenciais”, diz. “A prioridade política para o território deveria ser organizar e qualificar as cidades médias, os eixos Chaves-Régua-Lamego-Viseu ou Guarda-Covilhã-Fundão-Castelo Branco, incentivando as pessoas a ficarem ou a irem para lá através de políticas de emprego. No fim de contas, e para usar um termo contemporâneo mais amplo, através da reindustrialização”. Para Paulo Madruga, da consultora Ernst & Young (EY), o principal impacto desta medida é ao nível do rendimento disponível das pessoas que residem nesses territórios pois a parcela do seu rendimento que era afectado ao pagamento de portagens fica agora disponível para aumentar o consumo e proporcionar um bem-estar acrescido às famílias. “Esse é o elemento mais imediato e diria até que, numa lógica keynesiana, pode ter um efeito multiplicador para o desenvolvimento de mercados locais. Mas do ponto de vista da actividade económica e de tornar estas regiões mais atractivas para as empresas se instalarem ou investirem, não creio que a abolição das portagens tenha muito impacto”. Já quanto ao princípio do utilizador-pagador, que neste caso fica a perder com esta medida legislativa, o também professor no ISEG diz que é uma opção política escolher quais os bens públicos que o Estado deve proporcionar após a captação de receitas através dos impostos. “É que, no limite, se se aplicasse o princípio do utilizador-pagador a tudo, não haveria impostos”, ilustra. Quanto aos impactos ambientais, considera óbvio que se houvesse uma boa rede ferroviária e outras soluções de transporte mais amigas do ambiente, poderia fazer sentido manter as portagens rodoviárias, mas, infelizmente, não é o caso do interior de Portugal. Justa, mas nem sempre impactante Josué Caldeira, economista, entende que as portagens não são uma questão estrutural de desenvolvimento regional. “A sua abolição é uma medida de justiça para com um tecido económico e social com fortes fragilidades no acesso a bens e serviços. Terá um impacto positivo, por exemplo, no Algarve para um distribuidor de fruta, um carpinteiro, ou padeiro, que queira ir distribuir um produto de uma ponta a outra da região. É até uma questão de justiça quando comparado com um distribuidor da Área Metropolitana de Lisboa ou do Oeste onde a massa de consumidores é superior e mais densa.” A livre circulação nas auto-estradas ajuda, assim, a eliminar custos que possam dificultar os circuitos intermunicipais nas regiões do interior, “sobretudo porque são territórios com insuficientes e ineficientes serviços públicos de transporte, mas está longe de constituir uma medida verdadeiramente eficaz de promoção do desenvolvimento do interior”. Operadores ferroviários queixam-se de concorrência desleal A APEF , Associação Portuguesa das Empresas Ferroviárias (que reúne operadores de mercadorias) diz que “esta decisão penaliza fortemente a ferrovia” e realça que a isenção de portagens beneficia os eixos rodoviários preferenciais para a exportação de mercadorias ao mesmo tempo que o Estado decidiu aumentar a taxa de uso da infra-estrutura (portagem ferroviária) em 23%. “Temo que os milhões de euros que têm sido investidos e que se continuarão a investir na rede ferroviária sejam desbaratados porque corremos o risco de não termos comboios de mercadorias e até mesmo de passageiros a circular, por causa de medidas como esta que incentivam de forma muito directa a rodovia e afectam gravemente a competitividade da ferrovia”, diz, em comunicado, o director-executivo da APEF, Miguel Rebelo de Sousa. Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial da CP diz que a abolição de portagens nas SCUT acabará por aumentar a competitividade dos autocarros das várias empresas que estão em concorrência com a CP no segmento de longo curso, sobretudo dos Intercidades para o interior. “Na prática aumenta a concorrência da rodovia em desfavor da ferrovia. Numa altura em que se fala de descarbonização, é óbvio que esta medida pode não será a mais correcta”. Susana Peralta, da Universidade Nova, refere, por seu turno, que a teoria económica demonstra, através de estudos já realizados, que, em determinadas circunstâncias, a redução dos custos de transportes aumenta a concentração das aglomerações no litoral e isso, obviamente, seria negativo para o interior. Mas assinala que isto é só uma doutrina económica que carece de verificação neste caso concreto da abolição das portagens, porque tudo depende também do quanto estas reduzem os custos de transporte e da própria dinâmica económica do país naquele momento. Certo é que para as pessoas que vivem no interior, auto-estradas mais baratas facilitam a vida de quem quer trabalhar ou consumir nas grandes aglomerações. Esperar para ver O economista João Pereira dos Santos é autor de publicações em revistas internacionais sobre esta matéria. E não tem dúvidas de que a introdução de portagens nas auto-estradas do interior em 2010 e 2011 teve um impacto bastante negativo sobre as regiões. “Diminuiu o número de empresas, o número de empregos e o investimento. As empresas que sobreviveram tiveram de se habituar a produzir o mesmo com mais custos e, se não despediram, também não contrataram.” No entanto, o também professor do Queen Mary University of London e do ISEG alerta que os estudos científicos não mostram que a abolição das portagens, ou seja, uma descida abrupta dos custos de transporte, tem o efeito contrário. “Esse efeito não é necessariamente simétrico, mas vai ser necessário esperar para ver”, disse. A Associação Portuguesa de Contribuintes (APC) insurge-se, por seu turno, contra esta medida por entender que “a dita abolição significa apenas a transferência do custo de construção e manutenção dos troços em causa, dos utilizadores para os contribuintes”. Em comunicado, esta associação diz que “a forma continuada de referir o fim das portagens como se a medida fosse positiva para os portugueses, distorce a realidade, aumenta a iliteracia fiscal e impede o debate sobre se o custo da utilização rodoviária deve ser suportado todo através dos impostos ou pelo utilizador-pagador”.