João Duque: "Vejo dois blocos enormes a crescer e a apertar a Europa no meio. É um rolo compressor"
22-03-2025
O presidente do ISEG assume algum desencanto com a Europa, que só agora despertou para os desafios que surgiram com a eleição de Trump. Para o economista, falta um líder com “rasgo de liderança”.
Sónia Santos Pereira
O mundo mudou em poucas semanas e trouxe sérios desafios. E o presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), João Duque, põe o dedo numa das feridas: o país terá de decidir qual vai ser a sua contribuição para o rearmamento da Europa.
A crise política, que resultou na convocação de eleições antecipadas, desencadeou logo, na primeira hora, alarme no setor empresarial. É negativa para a economia, disseram os empresários. Por que é que as empresas portuguesas estão tão dependentes dos ciclos políticos? Há países europeus que vivem com relativa facilidade estas incertezas.
O investimento em Portugal tem muito de investimento público e de licenciamento público, e isso significa que, havendo travagens nos ciclos políticos, estamos condenados, muitas vezes, a alterar completamente os ciclos empresariais. Estas alterações levantam uma dúvida: Quem é que vem a seguir? E essa dúvida é suficiente para travar o investimento. A forma como o subsequente primeiro-ministro e o seu governo olham para o investimento privado ou para um setor económico é algo que muda, muitas vezes, aquilo que são os desígnios do país.
Infelizmente, não conseguimos chegar a acordos em questões mais ou menos fáceis. Deveria existir uma orientação mais direcionada para o desenvolvimento da economia e do país, do que, propriamente, de conquista do poder. Eu admito que as pessoas que se candidatam a eleições idealizam o melhor para Portugal. Mas não se governa só porque a pessoa tem uma liderança sustentada em votos, exclusivamente à medida daquilo que é a sua cabeça. Isso só acontece nas empresas onde o capital está concentrado e há um mandato claro para isso.
Em Portugal, há dois partidos que estão sempre no poder. O PS ou o PSD. E vão estar, provavelmente, nos próximos 10 ou 20 anos. Estas duas forças representam, normalmente, mais de 50% da população, muitas vezes dois terços da população. Esta maioria podia, também com a sensibilidade de outras forças partidárias, definir um rumo. Eu acho fundamental haver esse rumo. E isso é muito difícil de acontecer. Mesmo em áreas em que mais ou menos estão de acordo.
Um empresário nunca sabe o que é que vai ser o dia de amanhã. E isso influencia a decisão. Porque começa a perguntar: este governo vai regredir em termos de IRC? Vai manter o regime fiscal? As suas políticas vão afetar mais ou menos as empresas? Neste contexto, qual é o estímulo para o investimento?
Há países que conseguem ultrapassar isto, porque estabelecem quase princípios de não mexer muito em determinadas áreas. Nesses casos, as empresas já sabem o que contar. Há áreas onde se devia dar linhas muito claras e concretas aos investidores, para eles saberem as regras do jogo e atuarem em conformidade. Veja-se a Saúde. Nós tivemos uma guerra por causa do Serviço Nacional de Saúde. Falou-se que as entidades privadas ou o setor social vão fazer parte da solução, falou-se em parcerias público-privadas. Se eu fosse um empresário iria investir em Saúde? Com que orientação? Eu estou a dar este exemplo, mas podemos começar a contar exemplos pelos dedos. E atenção, porque, a meu ver, vem aí uma questão muito sensível.
Qual?
Os portugueses vão ter de responder sobre qual será a nossa participação em termos de esforço e contribuição para o rearmamento da Europa e a prestação do Serviço Militar. Percebe-se claramente que não deve ser uma decisão tomada com uma orientação de uma determinada natureza apenas. O debate tem de ser bastante alargado e corajoso. Porque ninguém gosta do que tem de se ouvir, nem de decidir nesse sentido. Não é fácil dizer: “Vamos pagar mais impostos para comprar armas.” Mas vamos ter de o fazer. Exige-se ver uma maioria mais alargada nestas decisões difíceis.
Um pacto político?
Tem de se fazer.
Neste enquadramento, como se irá comportar a economia portuguesa este ano?
A economia portuguesa tem estado muito alavancada no turismo. E este setor exige que as famílias tenham rendimento disponível. Temos estado aqui num bocadinho da Europa que não tem sentido sobressaltos. Estamos a atrair turistas quer do lado esquerdo, quer do lado direito. Os americanos descobriram-nos agora. Temos estado com uma boa proteção e isso, sem dúvida, tem ajudado. E tem mitigado aquele aspeto muito negativo, que é a quebra da economia alemã, um mercado de exportação para Portugal.
Agora há um grande ponto de interrogação, que é o efeito dos Estados Unidos da América (EUA): se os empresários começarem a ganhar projetos e a exportar com força para outros mercados, como o Canadá ou a América do Sul, e se conseguirem compensar e mitigar a quebra das exportações para a Alemanha, com a sua capacidade, agilidade e adaptação, a economia portuguesa ficará um pouco protegida.
Se conseguirmos manter o PIB, mesmo sem crescer este ano, podemos ter um crescimento acima da média da União Europeia (UE). O quarto trimestre do ano passado foi muito bom. É verdade, muito à custa de uma devolução do rendimento das famílias e da subida das pensões, mas também do contributo do turismo externo. Esse aspeto permite acalentar uma certa expectativa de que o inverno de 2025 possa não ser muito rigoroso.
Estamos a assistir à criação de uma nova ordem mundial. De um lado os EUA e do outro a China. Como fica Portugal neste novo desenho geopolítico?
Nós estamos a reboque da União Europeia. Olhamos para a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] e só tem o Brasil, uma grande potência. Os outros países esperam mais de Portugal do que Portugal espera deles. Angola e Moçambique, que são grandes países, com grande potencialidade, olham sempre para nós a pedir apoio, desenvolvimento, know-how, capacitação. Ainda não são economias pujantes a ponto de nos levarem atrás. São muito pujantes em termos de potencial, mas não conseguem promover aquela indução de crescimento em relação aos seus parceiros, como a UE.
A Europa está a acordar, e pode ser que Canadá e Europa consigam estabelecer um mercado alternativo que seja firme e com uma dinâmica diferente do que tem sido até agora. A Europa tem sido altamente reativa e tem-se deixado liderar por interesses individuais. Se calhar, precisávamos de uma perda desta natureza para percebermos que temos mesmo de, pelo menos, tentar sobreviver a este rolo compressor. Porque eu sinto, de facto, uma compressão enorme entre os EUA, a China, a Rússia. Nós estamos no centro, no meio do rolo compressor.
Portugal não tem capacidade nem defesa, nem tecnologia, nem poder económico. O que é que nós vamos fazer? Somos um país pequenino. Vamos no barco, mas com um barco a tentar reagir, porque 70% das nossas exportações são para a Europa. O contrário, não é fácil. É impossível. Está nas mãos da economia privada aproveitar as oportunidades. Os empresários portugueses têm de tentar saber quais são os setores, as áreas, os clientes que podem ter no Canadá e na América Latina e dirigirem-se lá. Irem às feiras, às empresas.
As tarifas de Trump são uma ameaça à economia da UE e de Portugal? Como enfrentar este novo desafio?
Vão ter um impacto bastante grande na economia europeia, e por arrasto na portuguesa. Diretamente na portuguesa, será marginal. Os EUA começaram a ser um mercado significativo para Portugal. Muitas das nossas exportações são para integração em cadeias de valor, que depois também vão para o mercado americano.
O arrefecimento pode vir das empresas europeias, que, sofrendo com essa incapacidade de exportar para o mercado americano, podem acabar por pôr em causa os ritmos de exportação das empresas portuguesas para a Europa. A Europa está a reagir. A Alemanha acabou de chegar a um acordo, aquele acordo que nós não conseguimos fazer, para alterar o rumo da economia.
Fico espantado. Temos exemplos de grandes empresas que estão a surgir na China. E temos as empresas americanas. A Europa, mais uma vez, não aparece. É confrangedor.
Vejo dois blocos enormes a crescer e a apertar a Europa no meio. É um rolo compressor. Eu não vejo nada a acontecer na Europa. É horrível. Há a sensação de que não há setor nenhum em que nós digamos que eles vêm cá porque não têm outra solução.
Olho para a Europa e vejo que também na indústria automóvel ficámos para trás. É angustiante. A China põe carros baratos e bons no mercado.
Depois vejo aquele senhor, o Elon Musk, a dizer coisas extraordinárias, como ir lançar um modelo já sem chave e sem volante. A indústria europeia ainda está a tentar fabricar umas baterias elétricas. A Europa alterou as regras das emissões para dar um futuro à indústria automóvel, mas nem sequer esse é o caminho do futuro.
Os chineses já fizeram um brutal investimento na alteração daquilo que é a sua dependência do petróleo. Estão a desenvolver a energia elétrica. Deixam de depender de terceiros e estão a dar apoio a toda uma cadeia de engenharia. Querem transformar a mobilidade, não querem poluir mais. Estão a fazer um brutal investimento nessa área.
Porque está a Europa nesta situação?
Eu olho para os líderes europeus e, não é que eles não sejam pessoas inteligentes, é que eu não vejo rasgo de capacidade de liderança. Encantamento, no fundo. Porque, diga-se o que se disser, os americanos estão encantados com Donald Trump.
E aos chineses encanta aquela superestrutura. A forma como aquele coletivo, muito igual, mas consistente, brilha. Eu não sou capaz de perceber outra coisa. Acho que não é tanto a personalidade de grande líder. É aquele coletivo de dirigentes que, de facto, reconhece o líder, claro, mas que se ele desaparecer há logo outro que o substitui e que mantém as políticas. Há como um brilho naquelas mil pessoas que estão ali, naquele coletivo que nós sabemos que são todos iguais. As diferenças entre eles são pequenas e há uma atração grande, que atrai e que encanta o povo. Sentem-se bem, confiantes.
Eu acho que é um bocadinho triste sentir que não há ninguém que encante de uma forma extraordinária na Europa. Já houve grandes líderes na Europa, mas já não os temos há algum tempo.
Na UE, o desenvolvimento de uma indústria da defesa está na ordem do dia. Portugal pode ter algum papel nesta área?
Podemos participar nas cadeias de valor. Não temos que produzir carros de combate. Podemos produzir software, componentes. A indústria automóvel portuguesa, que fornece automóveis de marca e com exigências de qualidade elevada, pode passar a participar com outro tipo de output. Eu vejo isso como uma boa oportunidade.
Portugal vive uma fuga de talentos. Os alunos do ISEG também optam por ir para fora? O que os leva a sair e como pode o país inverter esta tendência?
É o rendimento. Há cursos que são, de facto, muito bons e que o mercado procura. Uma escola não vive se não tiver pessoas muito competentes e empenhadas na sua formação. Nós damos uma carga enorme de competência técnica. E isso reflete-se no percurso profissional. Quando o mercado começa a saber que eles são bons, são procurados e pagos. Eles são atraídos pelos salários.
E o que acontece quando se compara postos de trabalho em Portugal com postos de trabalho na Alemanha, por exemplo? Os supermercados na Alemanha são mais caros, mas não significativamente muito mais caros. A casa, se calhar, já é mais cara em Lisboa do que em alguns arrabaldes de cidades na Alemanha. E o transporte público alemão é melhor. Um jovem português percebe que entra nesse mercado e pagam-lhe muito mais. É atraído e vai. Nós temos muitos alunos que estão a trabalhar fora
Se perguntar a um empresário se tem dificuldade em atrair jovens engenheiros para trabalhar em Portugal ele dirá que, se calhar, em algumas áreas sim, mas, de um modo geral, se calhar, não. Quando os empresários pagam minimamente, eles ficam cá. Porque a diferença de rendimentos, muitas vezes, não é tudo.
Se os portugueses tiverem uma remuneração minimamente razoável, condições de trabalho e de vida, nomeadamente na questão da habitação, ficam cá.
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Sónia Santos Pereira