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O IRS entra na campanha: queda de reembolsos na ordem de várias centenas de milhões de euros

Imposto. Devoluções vão cair centenas de milhões de euros. Efeito esperado no Governo e usado pela oposição Os acertos anuais do IRS já começaram a causar surpresas em muitos contribuintes e a questão está a ser acompanhada no Governo “com alguma preocupação”, diz ao Expresso fonte ministerial. Não é para menos. Os valores dos reembolsos, que serão liquidados em plena campanha eleitoral, terão uma quebra significativa: podem rondar EUR500 milhões a menos em reembolsos emitidos, sabe o Expresso. Um valor que terá também impacto no consumo e nas contas do país no segundo semestre do ano, como o Banco de Portugal (BdP) previu no último boletim económico. “O consumo privado deverá ser condicionado no segundo trimestre pelo impacto da redução prevista nos reembolsos do IRS, resultante de menores retenções na fonte ocorridas em setembro e outubro e 2024”, escrevia o BdP. Nos cálculos apresentados, percebe-se que o efeito nas contas públicas pode aproximar-se dos EUR500 milhões. Não há dados oficiais, mas tendo em conta o resultado esperado das várias medidas adotadas no IRS e o impacto final na receita em 2024, é possível apontar para um valor a rondar algumas centenas de milhões de euros. Ou seja, na prática, os contribuintes tiveram uma espécie de reembolso antecipado no quarto trimestre com as taxas de retenção com efeitos retroativos. Para já, em declarações à Lusa o Ministério das Finanças diz que “é expectável que haja menor necessidade de acerto no final, uma vez que esses valores foram disponibilizados antes, evitando que as famílias tivessem de esperar pelo reembolso este ano”. O Expresso perguntou ao gabinete de Miranda Sarmento com que base foram calculadas as taxas de retenção na fonte aplicadas em setembro e outubro, qual o valor que será pago a menos em reembolsos e ainda se antevê um abrandamento da atividade económica, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. Certo é que o IRS vai ser usado politicamente. Os socialistas acusam o Governo de “iludir” os contribuintes ao terem baixado, além do que deviam, as taxas de retenção na fonte no final do ano, para “criar a perceção de recuperação de rendimentos dos portugueses”. Para António Mendonça Mendes, deputado e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o Governo o que fez foi “induzir o consumo privado em época natalícia para apresentar um crescimento do PIB melhor no último trimestre do ano”, com olhos postos em eleições se o Orçamento tivesse chumbado. Do outro lado, apesar das explicações que foram sendo dadas, e de o Executivo insistir que houve uma descida de impostos, teme-se o impacto que possa causar em plena campanha. “É evidente que calha num momento complexo”, reconhece a mesma fonte, mas “não vai ser dramático”. Mas há mais. Segundo Mendonça Mendes, a estratégia do Governo serviu para ajudar nos resultados económicos, considerando-os um “embuste”. “É imperdoável o que fizeram aos portugueses e ao país.” O PSD devolve as críticas com acusações de “desonestidade intelectual” de quem tem “obrigação de maior conhecimento”. Além de insistir na tónica de que a AD baixou o IRS em 2024 e lembrar que foi o PS que insistiu na necessidade de rever as tabelas de retenção na fonte. Setembro e outubro foram pecado original? Especialistas ouvidos pelo Expresso sugerem que a transição entre os dois regimes mensais de cobrança de imposto deveria ter sido mais gradual. Ou seja, que as tabelas especiais de retenção na fonte aplicadas em setembro e outubro a todos os trabalhadores e pensionistas, para refletir retroativamente ao início do ano as alterações nos escalões, poderão ter retido imposto a menos: “Poderá ter sido excessivo, porque não só cobriu a parcela do imposto que diminuiu, como mais do que compensou o facto de as anteriores tabelas de retenção implicarem reembolsos a favor dos contribuintes. Se, como algumas simulações e casos concretos parecem evidenciar, contribuintes de baixos rendimentos passam a ter de devolver dinheiro, estaremos perante um sobreajustamento. Teria sido preferível um ajustamento mais gradual das tabelas de retenção”, defende Miguel St. Aubyn, professor catedrático de Economia do Instituto Superior de Economia e Gestão. Nos cenários alternativos que a consultora fiscal Ilya elaborou a pedido do Expresso, se o Governo tivesse prescindido de retroagir as mudanças dos escalões a janeiro, e tivesse implementado as novas taxas de retenção na fonte a partir de setembro, um contribuinte solteiro, sem filhos, com rendimento mensal de EUR1300, teria um reembolso de EUR166, que sobe para os EUR369 em rendimentos mensais de EUR2000. Na situação atual, pagarão EUR104 e EUR211, respetivamente. Já um casal com um filho e um rendimento mensal conjunto de EUR2000 receberia EUR103, ao passo que um casal com dois filhos recuperaria, no mínimo, EUR105. Na liquidação deste ano, vão acabar por pagar EUR117 e EUR27, respetivamente. NÚMEROS 0,4% é taxa de variação de crescimento do PIB em cadeia no segundo trimestre. O BdP justifica o abrandamento em parte com redução dos reembolsos EUR166 seria o reembolso em média de um contribuinte solteiro, sem filhos que ganhe EUR1300. Poderá ter de pagar EUR104 Apesar deste cenário hipotético prever sempre reembolso, “as taxas de retenção na fonte mensais não teriam, no entanto, correspondido na totalidade à redução das taxas finais de IRS, aprovada durante o ano de 2024”, lembra o fiscalista Luís Nascimento, da Ilya, na sua análise ao Expresso. “Neste caso, podemos verificar que haveria nesses meses menos disponibilidade financeira para as famílias, mas implicaria que, com a entrega da declaração de IRS final, existiria reembolso.” Com o que foi aplicado em 2024, todos estes agregados receberiam mais em setembro e outubro, mas terão invariavelmente de pagar imposto, se não apresentarem mais despesas dedutíveis. O fiscalista lembra que o imposto efetivamente devido é, feitas as contas, sempre menor face ao que seria se se tivessem mantido, ao longo de 2024, as tabelas aprovadas no final de 2023. Mas reconhece que “o equilíbrio entre a aplicação prática deste mecanismo de retenção na fonte e o imposto final é muito difícil de alcançar. As tabelas são feitas com carácter geral e não para cada contribuinte. Como são gerais, é difícil, para caso a caso, fazer esse ajustamento”, justifica. Para reduzir a possibilidade de más surpresas, “é também responsabilidade dos contribuintes utilizarem os direitos que estão à nossa disposição para mitigar o impacto do imposto final”, alerta, porém, como o uso pleno das possibilidade de dedução à coleta solicitando sempre fatura com número de contribuinte e a aprovação atempada das faturas no e-Fatura. Paula Caeiro Varela Jornalista Paula Caeiro Varela