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Abrandamento do PIB, défice à espreita: a guerra das tarifas de Trump sobe pressão sobre novo Governo

Economia. Primeiras projeções já revelam abrandamento do PIB. Impacto dependerá da evolução da guerra comercial. Défice pode voltar Com os avanços e recuos de Donald Trump, os economistas arriscam a que as suas projeções fiquem desatualizadas logo no dia seguinte. As novas tarifas entraram em vigor quarta-feira para serem parcialmente suspensas horas depois. A União Europeia (UE), que nesse dia aprovou a retaliação às primeiras medidas americanas, também as deixou em stand-by para negociar. Fazer previsões neste contexto é um exercício arriscado, mas há quem o faça. As previsões mais recentes para a economia nacional apontam para um abrandamento do PIB já no primeiro trimestre e também no conjunto dos 12 meses do ano. Algumas não têm ainda em conta as tarifas que Trump pretende aplicar. Nos primeiros três meses de 2025, que coincidem com o arranque do novo mandato de Donald Trump, já há revisões em baixa. A Católica está mais pessimista, apontando para um avanço de apenas 0,2% entre janeiro e março, com as tarifas a limitarem o efeito positivo que vinha do último trimestre do ano passado, quando o PIB disparou 1,5%. O Barómetro CIP/ISEG estima 0,1% até março, ainda sem ter em conta as tarifas anunciadas a 2 de abril. Mesmo com uma exposição menor aos EUA, face a outros países da UE, Portugal não escapa à travagem na economia europeia se as tarifas avançarem após a suspensão de 90 dias. No ano passado, Portugal exportou EUR5,3 mil milhões em bens para os EUA, um mercado que tem reforçado o seu peso e é agora o quarto maior parceiro comercial português. Sobretudo produtos químicos (aqui destaca-se a indústria farmacêutica), minerais e máquinas/aparelhos que, juntos, representam 55,3% das exportações de bens para a maior economia do mundo. Mais inflação? Os economistas ouvidos pelo Expresso, já depois do anúncio de Trump de que iria aplicar a sua curiosa fórmula de taxas alfandegárias a praticamente todos os países do mundo, consideram que não, estes novos custos não irão resultar em mais inflação. Poderão, sim, dar origem a travagens bruscas nas economias globais que limitarão o consumo. Ou seja, rédea curta nos preços graças à crise. Miguel Faria e Castro, economista da Reserva Federal de St. Louis, crê que, se as tarifas forem, de facto, implementadas depois da moratória de 90 dias, os efeitos recessivos desta perturbação no comércio internacional poderá significar um “travão” na subida dos preços. Se nos EUA o efeito das taxas alfandegárias será de aumento mais rápido dos custos e, por conseguinte, dos preços; no Velho Continente o efeito poderá ser contrário: de abrandamento da inflação. “Por um lado, bens importados dos EUA poderão aumentar de preço devido a retaliação por parte da União Europeia (UE). Bens cujas cadeias de abastecimento passem pelos EUA ficarão mais caros. Mas por outro lado, estas tarifas constituem um grande choque negativo na procura por exportações para a UE. Isto poderá levar a um declínio da procura agregada e a uma recessão tradicional, com desaceleração do crescimento e redução da inflação”, sublinha o economista ao Expresso. “Além disso, há a questão da China, cuja economia estava extremamente orientada para a exportação de bens de consumo e industriais e baixo custo para os EUA. Com o mercado americano efetivamente fechado, pode ser que a China se vire para a Europa como destino para escoar exportações, o que poderá levar a reduções de preços.” Exportações portuguesas para os EUA Valores em milhões de euros O impacto destas tarifas em Portugal, “uma pequena economia aberta” na ponta oeste da Europa, sentir-se-á não só ao nível das trocas comerciais de bens entre Portugal e os EUA, mas também indiretamente. O país, diz, sofrerá os efeitos negativos que uma eventual recessão possa ter no número de visitantes. “Penso que a principal vulnerabilidade advém do facto de a economia portuguesa ser bastante dependente da exportação de serviços como o turismo, que é uma atividade bastante sensível a condições económicas globais. Se a economia global entrar em recessão, que é agora mais provável nos EUA e na China, haverá menos procura por esse tipo de serviços”, concretiza Miguel Faria e Castro. Em 2024, Portugal exportou EUR5,3 mil milhões para Washington, que é agora o quarto maior parceiro comercial Gonçalo Pina, professor de economia internacional na ESCP Business School, diz que o “pior de tudo” é “a queda das bolsas, a subida das taxas de juro por todo o lado, a queda do preço do petróleo, juntamente com vários outros indicadores que apontam para uma recessão global que terá o efeito de baixar a procura e os preços”. E corrobora a ideia de que um novo surto inflacionista não estará no horizonte: “O efeito final até poderá ser menos inflação na Europa.” “Portugal está exposto em alguns produtos agrícolas, têxteis, calçado e de manufaturas. Mas, no global, estará menos exposto que outros países da UE, porque exporta mais serviços, nomeadamente o turismo. Uma recessão global afetará toda a procura, por isso será sempre um choque negativo para Portugal”, frisa o economista. Economia abranda em 2025 Os números avançados pelo Banco de Portugal e pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), com base em dados de março e do início de abril, divergem. Com revisões ligeiras – tanto em alta como em baixa – das taxas de crescimento, mantém a perspetiva de que o PIB crescerá mais rápido este ano, acima dos 2%. E acreditam que a inflação se irá continuar a aproximar-se de 2%. Previsões de crescimento do PIB Em percentagem No entanto, no Boletim Económico do Banco de Portugal, de março deste ano, previa-se já qual podia ser o impacto das tarifas alfandegárias. Ainda com base na ameaça dos 25%, o banco central previa uma penalização cumulativa de 1,1% do PIB de Portugal ao fim de três anos, e mais concentrada logo no primeiro ano. Ou seja, o otimismo de Mário Centeno pode esbarrar contra o protecionismo de Trump. O contributo da procura externa volta a ser negativo para o PIB de 2025 e 2026, ficando outra vez a economia refém, sobretudo, do consumo das famílias. Só que, no contexto de incerteza atual, com uma montanha-russa nos mercados financeiros e uma incógnita na atuação dos bancos centrais, é expectável que as famílias optem antes por reforçar as suas poupanças (em máximos históricos, neste momento), do que a aumentar o consumo. Défices só em 2026, diz CFP O ministro da Economia, Pedro Reis, garantiu ontem que Portugal não vai regressar aos défices este ano. E o CFP confirma: nas projeções, ontem divulgadas, reviu em baixa a meta orçamental (que era de excedente) e antecipa agora um saldo neutro, de 0%, para 2025. Défices só a partir de 2026 se a política orçamental não mudar: será de 1% nesse ano, “influenciado em mais de metade pelo impacto dos empréstimos do PRR (0,6% do PIB)” e “em torno de 0,6% do PIB” até 2029. O CFP avisa também que o indicador de despesa líquida, que é a referência em Bruxelas para análise das contas, “crescerá acima do compromisso assumido pelo Estado português”. O que vai colocar pressão sobre o futuro Governo. Numa altura em que, na verdade, não sabemos como vai acabar a guerra comercial. SEIS PERGUNTAS A Pedro ReisMinistro da Economia Depois de ouvir 16 associações e confederações empresariais ficou com uma ideia clara das suas maiores preocupações? Há especificidades sectoriais, mas notamos que a vontade geral é de que a Europa vá pelo caminho da negociação. Vimos muito pragmatismo e nada de belicismo, até porque há consciência de que se o impacto dos Estados Unidos da América colocarem tarifas sobre as nossas exportações é negativo, também haverá sequelas negativas se impusermos tarifas sobre os produtos americanos que incorporam as nossas cadeias de valor. De que forma o Plano Reforçar responde a tudo isto? As tarifas têm dois impactos, do lado da competitividade das empresas e do lado da internacionalização. É isso que temos de mitigar e temos medidas para responder a cada um destes pontos. Estamos a falar de EUR10,085 mil milhões… Sim. E Espanha colocou no seu programa EUR14 mil milhões. Estamos a falar de uma economia cinco vezes maior do que a nossa, pelo que o equivalente lá seria qualquer coisa como 50 mil milhões. Se virmos o Reforçar em comparação como PRR estamos a falar de 60% do Plano de Recuperação e Resiliência. Houve pedidos de lay-off? Carga Fiscal? As associações que falaram do lay-off fizeram-no com prudência, referindo que foi um apoio importante na covid-19. Neste momento, não está em cima da mesa. E houve propostas que referiram questões fiscais, mas a fiscalidade também não está no pacote. Sente Governo e empresas próximos? Senti que existe essa proximidade sim. Consideram importante que a resposta traga “robustez e celeridade” e estamos ainda com alguma indefinição sobre o que se vai passar, mas já temos o pacote arrumado. As associações reconhecem que as medidas vêm ao encontro do que é preciso escorar. Claro que isso não é por acaso. Já havia nuvens no horizonte e vínhamos trabalhando nisto. Se o Governo é o pai deste pacote, as associações e empresas são a sua mãe. E é preciso aval de Bruxelas ou o pacote pode avançar já? Houve uma preocupação grande na engenharia deste programa para que possa ter aplicabilidade imediata, não infrinja regras de concorrências de Bruxelas, tenha medidas acomodáveis em termos de compromisso de Orçamento do Estado. Na Europa o momento é de negociação, não de retaliação, em Portugal o que está em cima da mesa é reforçar, não recuperar. Margarida Cardoso Gonçalo Almeida Jornalista Gonçalo Almeida