Caiu o número de pais que partilham as licenças parentais com as mães no ano em que os incentivos aumentaram
03-04-2025
No ano passado, a maioria das mães continuou a gozar as licenças parentais sozinha. As partilhas caíram pela primeira vez em dez anos, mesmo com os novos incentivos implementados em 2023
Ainda não foi no ano passado que metade dos casais optaram por partilhar a licença parental inicial. Segundo dados fornecidos ao Expresso pelo Instituto de Segurança Social, ficaram-se pelos 47,6% os pais que decidiram partilhar com a mãe a licença de 120 ou 150 dias e ficar, pelo menos, 30 dias em exclusivo com o bebé. A percentagem ainda diminuiu face a 2023 (49,6%), o ano da última década em que o indicador esteve mais próximo de chegar a metade dos casais. E também é menor do que a verificada em 2022, quando esta partilha abrangeu 48% dos casais.
Esta é a primeira vez na última década que o número de partilhas cai (ver gráfico), ainda que de forma residual. Contudo, o decréscimo acontece no rescaldo do ano em que foram introduzidos novos incentivos à entrada dos pais no gozo deste período com o recém-nascido.
Através da Agenda do Trabalho Digno, em junho de 2023 foi adicionada às modalidades já existentes uma terceira opção de divisão do tempo, que permite aos casais que decidam partilhar uma licença de 180 dias (seis meses), terem uma remuneração correspondente a 90% do salário (em vez de 83%), no caso de o pai ficar pelo menos 60 dias em exclusivo com a criança (em vez de 30).
O peso dos estereótipos
Carla Tavares, presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), não arrisca, para já, uma explicação para esta diminuição.
Por seu lado, Sara Falcão Casaca, diretora do observatório Género, Trabalho e Poder, do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), desvaloriza a descida por ser “difícil tirar ilações quando há uma oscilação pontual que contraria a tendência dos últimos anos”.
As mulheres continuam a ser responsáveis por 87% dos pedidos de licença alargada
No entanto, a também professora deste instituto da Universidade de Lisboa não tem dúvidas de que “os estereótipos de género condicionam o pleno usufruto dos direitos dos pais à licença parental. Eles refletem-se nas dinâmicas familiares, levando a que os homens ainda se revejam fundamentalmente no papel de provedores e menos no papel de cuidadores do que as mulheres – e o contrário suceda no caso destas”.
A investigadora sublinha mesmo: “É verdade que a mudança tem sido assinalável no decurso dos últimos anos, os números demonstram uma evolução positiva no uso dos vários tipos de licenças por parte dos homens-pais.” Ainda assim, “quase um quarto deles ainda não goza a licença obrigatória de uso exclusivo do pai”, refere. No que concerne às licenças alargadas, as mães continuam a ser responsáveis por 87% dos pedidos (2024).
Pais que partilharam a licença parentais com as mães
Por ano e %
E há ainda um outro dado estatístico. Se os Eurobarómetros de 2024 referentes aos estereótipos de género refletiam, por um lado, que a esmagadora maioria dos portugueses considerava a licença parental enriquecedora para os homens-pais, apenas 29% concordavam totalmente com essa afirmação. Na Suécia, o primeiro país a incluir os pais na licença, já há cinco décadas, 87% manifestaram a sua total concordância com essa afirmação.
Por outro lado, em Portugal, 42% dos inquiridos concordaram com a ideia de que as mulheres deveriam dar prioridade à vida familiar em detrimento da carreira profissional. Um número de concordância superior à média da União Europeia, que se fixou nos 34% dos inquiridos.
O errado “mês do pai”
Portugal desenvolveu uma “política progressista” para a licença parental inicial, em especial com a mudança legislativa de abril de 2009, que passou a dar aos casais este mês extra “bem pago” em caso de partilha – um incentivo à entrada dos pais no universo dos cuidados aos bebés nos primeiros meses de vida.
Mas o que é facto é que há uma má interpretação da lei. Se mais de uma década depois ainda não há metade dos casais a partilharem o tempo de licença, também se verifica que, entre os casais que o fazem, a esmagadora maioria interpreta este mês extra como o “mês do pai”: a mãe goza todo o tempo e depois, no fim, o pai substitui-a num mês sozinho.
Só 47,6% dos homens decidiram ficar, pelo menos, 30 dias em exclusivo com o bebé
Foi o que constatou Mafalda Leitão, que escreveu uma tese de doutoramento sobre o fenómeno e observou que uma parte do problema está no mercado de trabalho, resistente a aceitar que também os homens podem assumir este papel. A investigadora percebeu que, muitas vezes, os pais são incompreendidos e ridicularizados quando querem ficar com os filhos. Outras tantas, são incentivados a trabalhar na mesma, à distância.
Um inquérito realizado em 2017 sobre igualdade de género demonstrava que, em Portugal, mais do que na média da União Europeia, quase quatro em cada 10 homens referiam que os gestores e os supervisores desencorajavam o uso de licenças para assistência à família.
Sara Falcão Casaca acredita que dados mais recentes revelariam números “francamente distintos”, para melhor. Ainda assim, não tem dúvidas de que este também será um dos contributos para que mais de metade dos casais ainda não partilhe a licença parental em Portugal, mesmo com o incentivo da mudança legislativa de abril de 2009, que passou a dar aos casais um mês extra “bem pago” se o fizerem.
No ano passado houve até um retrocesso. “Os estereótipos de género, além de se refletirem nas dinâmicas familiares, também se refletem na pressão social que ainda é exercida por pares (colegas de trabalho, por exemplo) ou chefias quando assinalam com comentários e mensagens mais ou menos explícitas que a prioridade de um homem deve ser a atividade profissional”, explica.
Joana Ascensão
Jornalista
Joana Ascensão