Centeno vê a economia a desacelerar e admite rever as previsões em baixa
27-04-2025
Governador não quer “coartar” liberdade política e, no futuro, decidirá o que estiver na sua “disponibilidade”. Ser reconduzido abre chances de liderar o BCE, mas caminho não depende de si, diz.
O governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, antevê uma “desaceleração” da economia nos próximos trimestres e mesmo em 2026 e, no contexto de incerteza geral associado à guerra comercial, a instituição deverá rever em baixa as previsões económicas no próximo mês de Junho.
Em entrevista ao programa Conversa Capital, da rádio Antena 1 e do jornal económico Negócios, Centeno antecipa que as novas projecções “vão ser eventualmente diferentes das de Março e, para proteger o próprio exercício de previsões, a cautela tem levado a que sejam cada vez mais reduzidas na dinâmica do crescimento”.
É por isso expectável que a previsão de crescimento para este ano não seja de 2,3%. Mas o movimento deverá ser o inverso do feito pelo banco central nessa altura, em que reviu ligeiramente em alta a previsão de variação do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,2% para esses 2,3% em relação à previsão que tinha em Dezembro. Para 2026, o BdP previa uma desaceleração para 2,1%, o que, nesse caso, já representava uma revisão em baixa em relação ao cenário de Dezembro.
O banco central já tinha sinalizado no boletim económico que “os riscos adversos em torno” das projecções “acentuaram-se e prevalece uma incerteza elevada sobre a evolução da economia mundial”. O Presidente norte-americano Donald Trump preparava-se para anunciar a vaga de tarifas à entrada de produtos exportados por outros países para o mercado norte-americano, as retaliações e o ambiente de incerteza que se intensificou ainda não se tinham feito sentir. E, entretanto, os analistas têm vindo a rever em baixa as suas previsões económicas, como aconteceu ainda na semana passada com a equipa do Fundo Monetário Internacional (FMI) que baixou a estimativa de crescimento a zona euro este ano e aponta para uma desaceleração, com o PIB a passar de um crescimento 0,9% em 2024 para 0,8% em 2025, com a Alemanha em estagnação e a França a crescer apenas 0,6%. Para 2026, o fundo já prevê uma ligeira melhoria, com a economia a avançar 1,2%.
Sobre Portugal, Mário Centeno sublinha que, em Março, o banco já apontava para “uma desaceleração forte da economia no primeiro trimestre, em comparação com a dinâmica muito significativa do último trimestre de 2024 muito centrada no consumo” e sublinha que essa desaceleração “tem sido confirmada pelos indicadores diários da actividade económica”, cita o Negócios.
O governador e ex-ministro das Finanças de António Costa considera que as políticas orçamentais devem ser contra-cíclicas e não pró-cíclicas, porque quando o ciclo muda é preciso continuar a ser pró-cíclico. Um aviso que surge em plena época de pré-campanha eleitoral, em que os dois principais adversários, a AD (PSD e CDS-PP) e o PS, têm vindo a acusar-se mutuamente de apostarem em medidas com impacto económico. Centeno diz que é preciso preservar as contas públicas. “Quando olhamos para medidas, para o futuro, devemos ter sempre presente a ideia da estabilidade financeira” e, a partir do momento que o país cumpre as regras do pacto de estabilidade, “este capital não pode ser desbaratado”, afirma. “Se há palavra que se habituaram a ouvir na minha boca com um tom sempre de questionamento é a palavra margem e folgas”.
O futuro político
Nesta entrevista, Mário Centeno volta a dizer que gostaria de ser reconduzido como governador em Julho e, agora que já fechou a porta à possibilidade de vir a ser candidato às eleições presidenciais de Janeiro de 2026, diz que não pensa em assumir outros cargos de relevo. “Pode ser, mas não penso”.
Questionado sobre o que fará a seguir se não for reconduzido, Centeno diz que ainda não sabe. “Tenho, obviamente, as qualificações que vou adquirindo”, afirma o economista, professor do ISEG, ex-ministro das Finanças e ex-presidente do Eurogrupo.
Confrontado sobre a possibilidade de vir a suceder a Christine Lagarde como presidente do Banco Central Europeu em 2027, o governador do BdP não afasta esse cenário, respondendo: “A minha função e os meus dias são tão preenchidos e com tanta responsabilidade que não me permitem acalentar nenhum cenário futuro. Muitos dos que refere, ou alguns pelo menos, até beneficiariam de uma recondução no Banco de Portugal. Por exemplo, aqueles que têm a ver com o Banco Central Europeu. Mas a decisão não é minha. Não sou eu quem a vou tomar. Só posso tentar, com o meu esforço e trabalho, conduzir quem tiver de tomar essa decisão a um raciocínio que o possa fazer.”
Quanto à política interna, ao ser questionado se uma mudança de ciclo político podia convencê-lo a assumir um perfil governativo, Mário Centeno não quis dar uma resposta que abrisse “debates” sobre o assunto. E questionado sobre se admite filiar-se no Partido Socialista, o antigo ministro começa por se rir e responde: “Eu fui-me doutorar para os EUA – vou ser pouco modesto – para a melhor universidade, a única que está a resistir a Trump. Tenho um grande orgulho nesse trajecto e, já agora, também no que eu fiz. Voltei para Portugal. A minha vida é em Portugal e eu sempre trabalhei e dediquei todos os meus esforços aqui. Não vou coartar a minha liberdade em coisíssima nenhuma e, portanto, farei quando tiver que decidir o que estiver na minha disponibilidade. Já sei que esta resposta vai ter muitas leituras, mas a maior parte delas não vão ser acertadas.”
Centeno foi confrontado sobre a circunstância de, no último ano, algumas das análises económicas terem sido vistas como ataques políticos, leitura o que o governador rejeita. “Os alertas que o Banco de Portugal faz há mais de duas décadas… Já trabalho no banco desde 1993 e nunca vi nenhum texto do BdP que não usasse os princípios que aqui explorei convosco. O banco teve sempre uma posição clara sobre estas matérias que está fundada na análise económica que fazemos”, contrapõe.
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Pedro Crisóstomo