Enquanto em casa, a política é dedicada a discussões e distrações medíocres, lá fora, o mundo continua.
Passados 11 meses de Governo da AD, tudo parece indicar que este irá cair na próxima semana com uma moção de confiança chumbada. O País olha para esta eventualidade sem grande entusiasmo.
Há muitas questões sobre o futuro, mas antes disso passarei por quatro pontos que já se conhecem ou se podem começar a adivinhar.
O primeiro é referente ao que já aconteceu até aqui: temos um Primeiro-Ministro (PM) há quase um ano, diretamente ligado à gestão de uma empresa que, por sua vez, presta serviços a outras empresas com contratos com o Estado e das quais recebe avenças. Independentemente da profundidade de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e/ou do escrutínio que venha a ser feito voluntaria ou involuntariamente, não será provável encontrar-se qualquer ilegalidade, mas sim algo já por todos compreendido – trata-se de uma grande mistura eticamente duvidosa de imprudência, ingenuidade e cinismo.
O segundo ponto tem a ver com algo que acabo de mencionar: uma CPI à qual será difícil escapar. Sábado passado, Pedro Nuno Santos anunciou que iria requerer uma CPI ao PM e, desde aí, esta intenção tem sido reforçada. Para além disso, vai-se percebendo que quer Montenegro seja reeleito, quer continue líder do PSD, ou ainda, quer a moção de confiança seja aprovada (altamente improvável), o atual chefe de governo terá de passar por uma morosa e penosa CPI. Só saindo da vida política, terá uma mais forte probabilidade de conseguir evitar este processo.
Terceiro ponto: daqui a três meses, já não estará na liderança do respetivo partido, ou Pedro Nuno Santos ou Luís Montenegro. Derrotado, qualquer um deles deixará quase inevitavelmente o seu cargo. Se houver já uma mudança de candidato do PSD às eleições e uma derrota do PS, poderá ainda acontecer a ambos.
Por fim: parece evidente que vamos ter uma campanha desinteressante e fútil. Já começou a pré-campanha e é inevitável que o grande foco seja o caso do PM. Vamos passar os próximos dois meses a assistir a um deplorável jogo de arremesso da culpa da instabilidade política entre os dois maiores partidos, e os restantes, naturalmente, não facilitarão. No melhor dos casos, debater-se-á também, com mais algum interesse, a performance até agora do atual Governo.
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Passando agora às questões, a primeira que coloco é “quem quer eleições?”
A vasta maioria dos Portugueses não quererá. Os partidos à esquerda do PS também não, dada a muito provável redução que irão sofrer. A IL é capaz de ser o partido que sai deste último ano com menos telhados de vidro partidos (fora Tiago Mayan), pelo que não se oporá muito a estas eleições. O Chega não se importará, mesmo com todos os seus recentes “casos e malinhas”, perante a oportunidade proporcionada pela matança que ocorre no centro político, mas já lá chego. A minha grande questão paira sobre as vontades sociais-democratas e socialistas.
Relativamente a Pedro Nuno Santos, considero que o seu objetivo principal seja pressionar e asfixiar o PSD, quer através de uma CPI que dure meses a fio e que condicione seriamente o Governo, quer através de uma campanha na qual se consiga afastar o máximo possível da responsabilidade daquilo que ocorre. Creio que a primeira situação seria a menos arriscada e mais favorável ao PS, mas é agora forçado a partir para a segunda e aparenta já ter começado a conseguir fazê-lo, trazendo ou não com isso resultados. A verdade é que, sem CPI e sem ter de esperar ainda muito tempo, esta seria a melhor altura para o PS para ir a eleições.
Já a vontade de Montenegro é mais clara: quer ir a eleições. No entanto, do mesmo modo que recebeu maus conselhos daqueles que o rodeiam ou do mesmo modo que foi ingénuo, pensando que seria possível esconder a Spinumviva, também isso poderá estar a acontecer agora. O que o PM calcularia, com as suas declarações do último sábado, que fosse acontecer seria:
1) ou ver a moção de censura do PCP chumbada e continuar a governar sem necessidade de apresentar uma moção de confiança;
2) ou, tendo de apresentá-la, vê-la:
a) ou aprovada pelo PS por medo das culpas que teria de carregar,
b) ou chumbada.
Este último cenário era o mais provável e é o que parece vir a acontecer, em grande parte porque Montenegro não quer passar por um inquérito longo e condicionante, e acha menos arriscado deixar os Portugueses irem às urnas. Julgo que poderá estar a arriscar mais do que pensa e quer. O problema é que a proposta do PS de uma CPI e a má gestão do caso, até agora, pelo PM, não parecem de modo nenhum atirar a culpa para os socialistas, mas sim (até agora!) deixar-lha. Montenegro estará possivelmente demasiado iludido de que repetirá o feito de Cavaco Silva em 1987 – embora sejam inúmeras as diferenças entre os dois líderes e contextos (destacando-se a seriedade do então PM, que de nada era suspeito aos olhos dos Portugueses).
Outra questão é saber se, apesar da sua fortíssima convicção atual, o líder da AD se irá manter no cargo. A estrutura do PSD aparenta estar unida em volta de Montenegro, mas, seguramente, muitas vozes dentro do partido apelarão por uma mudança, sonhada na forma de Passos Coelho ou de outros. Veremos.
A última questão que trago é “o que acontece na ressaca de umas próximas eleições?”
Começando pelo caso em que o PS saia vitorioso, não se vê como conseguirá formar Governo. Dificilmente terá uma esquerda suficientemente forte para se apoiar ou até à qual se possa coligar e, depois da ferida agora aberta, será igualmente difícil ter o apoio do centro-direita. Ao que nos trará isso?
No caso em que a AD saia vitoriosa, ou de facto consegue uma maioria absoluta ou apoio da IL para tal, ou continua com uma fraca maioria, sendo possível que os socialistas, já muito fragmentados depois de uma segunda derrota consecutiva e agora com um novo líder, deixem este novo Governo entrar em funções. Ainda assim, a CPI continuará à espera de Montenegro.
Naturalmente, só há um vencedor com tudo isto, o Chega, que nesta crise nem precisa de fazer muito (fora uma moção de censura ao seu estilo, precipitada), apenas fica a ver o PS e o PSD a digladiarem-se enquanto atira lenha para a fogueira.
Não consigo olhar para tudo isto sem lembrar-me do que aqui disse Sérgio Sousa Pinto há cerca de uma semana, em entrevista ao O Discreto, quando questionado acerca da qualidade decrescente dos nossos políticos:
A minha grande angústia é pensar que o regime foi feito por pessoas que eram aptas a geri-lo e a governá-lo e, portanto, passados os gigantes fundadores do regime, o regime já não consegue funcionar tão bem com uma geração que não teve a responsabilidade de o construir e que não teve a responsabilidade de cuidar que ele funcionava.
Eu acho que esse é o grande risco, é as pessoas imaginarem que podem fazer tudo, que o regime aguenta. Enquanto aqueles que foram os fundadores do regime sabem muito bem que o regime é fácil e que é preciso protegê-lo.
(“A política é a História a ser feita” Entrevista a Sérgio Sousa Pinto)
“Perante toda a guerrilha que o Chega vai fazendo ao regime, os partidos do bloco central não se parecem esforçar por salvá-lo a todo o custo, muito pelo contrário. Desde que tenho a pouca memória política que tenho, que se me evidencia esta falta de noção destes partidos quanto à necessidade de cuidar do regime – afinal, o “seu regime”, o seu ecossistema. Independentemente do que é constitucional ou não, os últimos anos mostraram que não há qualquer respeito nem cuidado com o regime, porque “podem fazer tudo, que o regime aguenta.”
Na última campanha, foi possível ignorar o Chega porque a AD acreditava ou fazia acreditar que por algum milagre a legislatura ia correr tão bem que os Portugueses não sentiriam qualquer necessidade e esquecer-se-iam da existência de um Chega no nosso quadro político. Há um ano, era muito fácil para a AD dizer que iria, passados 8 anos de socialismo, vingá-los e reformar o País. Agora, tendo o último Governo socialista acabado há um ano, torna-se mais difícil defender a tese, de ambos os lados do centro, de que a mudança e transformação ainda é lá que reside.
A solução pode não ser o Chega, mas trata-se de um partido que tem a sorte de ainda não ter tido qualquer experiência executiva, podendo distanciar-se dos que já a tiveram, e cuja base de revolta, que acredito ser esta que atrás evidenciei, é a que cada vez mais Portugueses compartilham e a que o faz crescer.
Torna-se cada vez mais difícil defender a ideia de que o regime não se está a encaminhar para uma morte lenta. Torna-se cada vez mais difícil defender que a causa da degradação do regime é só o atual assalto da extrema-direita à política, e não, o pouco compromisso dos políticos dos partidos de centro e fundadores do regime em comportarem-se como deveriam para que o mesmo não morra.
Enquanto em casa, a política é dedicada a discussões e distrações medíocres, lá fora, o mundo continua e agora a passos acelerados, levantando novos desafios, também para Portugal… Estará alguém atento?
Luís Rau Silva
Estudante de Matemática Aplicada à Economia e à Gestão no ISEG. Cofundador dO Discreto
Luís Rau Silva