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Miranda Sarmento: de jovem de 20 anos no Fisco a novo ministro das Finanças

Começou como trabalhador-estudante e acumulou duas décadas de experiência nos circuitos das Finanças, do poder em Belém e da política partidária. Foi apadrinhado por Catroga e Cavaco e fez carreira académica nas faculdades da elite da esquerda. Terá uma relação potencialmente difícil com o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, que tem criticado duramente. Cabe-lhe conciliar as promessas da AD com o seu objetivo de ter contas equilibradas. Joaquim Miranda Sarmento tinha 19 anos quando decidiu concorrer pela primeira vez a um lugar no Estado. Uma prima mais velha que trabalhava no Fisco no Porto, quase uma segunda mãe do jovem Joaquim, enviara ao seu pai o edital de um concurso para mil vagas na Direção Geral dos Impostos, que exigia apenas o 12º ano. Miranda Sarmento estava a terminar o primeiro ano de gestão no ISEG , onde foi colega de ano de Pedro Nuno Santos , e a possibilidade de ganhar um bom salário atraiu-o. Sabia que competia com 90 mil candidatos, quase todos licenciados, e achou que não entrava, mas ficou entre os primeiros 500 classificados e entrou. Vinte e sete anos mais tarde entrará de novo na esfera das finanças, mas pelo topo: será o 26º ministro das Finanças desde 1976 e uma figura-chave no governo da AD liderado por Luís Montenegro. Pedro Catarino/Cofina Miranda Sarmento teve mérito e sorte quando entrou para o Fisco em 1999. “Pensei que me iam mandar para Bragança ou Castelo Branco e eles indicaram-me que fui colocado em Lisboa a cinco minutos da minha faculdade”, contou à SÁBADO em dezembro passado. Quando todo o processo de recrutamento terminou já Joaquim estava a terminar o segundo ano e no ISEG havia a possibilidade de ter aulas à noite no 3º e no 4º ano. Foi o que fez, tornando-se num aluno financeiramente autónomo: o salário de entrada, quando somado aos prémios dos trabalhadores do Fisco, equivalia a cerca de 1.700 euros hoje. “Para entrada era brutal”, reconhece. Hoje o cenário é diferente e as queixas dos trabalhadores do Fisco serão um dos temas com que terá de lidar. Depois de se licenciar fez carreira na estrutura das Finanças, o que será útil para a sua experiência governativa agora. Ficou seis anos nos Impostos, até 2005, e mudou-se de novo por concurso para a Direção-Geral do Orçamento (DGO), o coração da gestão financeira do Estado, onde ficou até 2009 , trabalhou quatro anos quando a tutela das finanças pertencia ao ministro Teixeira dos Santos, no governo de José Sócrates. Capaz de acumular trabalho, em 2007 começou a dar aulas como assistente convidado no ISEG e a fazer o mestrado no ISCTE (duas faculdades mais ligadas ao pensamento económico da esquerda em Portugal). Entretanto, de novo por concurso, transitou da DGO para a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, um órgão de assessoria dos deputados em matéria de finanças públicas (cujas análises à condução das contas frequentemente irritam os ministros das Finanças). Ali ficou entre 2010 e 2011, anos de urgências nas finanças públicas portuguesas, pondo uma pausa a seguir. “No ISEG disseram-me que tinha de decidir se queria a carreira académica senão ficaria precário”, explica. Não hesitou e entrou para o doutoramento na universidade de Tilburg, nos Países Baixos. Já tinha uma filha , a segunda nasceria em 2012 , e tinha de jogar com a distância e o dinheiro. “Fui para Tilburg porque era muito boa, mais perto de Portugal e mais barata”, explica. Quando terminou o ano curricular em Tilburg voltou e recebeu um contacto inesperado da Presidência da República: queria ele ser assessor económico do Presidente-economista Cavaco Silva? O convite não surgira do nada , Miranda Sarmento colaborara em 2011 com Eduardo Catroga no programa eleitoral do PSD de Passos Coelho e Catroga tê-lo-á recomendado a Cavaco. Ficou, então, quatro anos (do 2012 de crise ao 2016 já com a “geringonça”) noutra esfera do poder em Portugal: Belém. Ao mesmo tempo consolidou a sua carreira académica, a casa onde voltará quando a política o sacudir para fora: doutorou-se em 2014 e passou a professor auxiliar do ISEG (o nome dele surge como responsável pela disciplina de “Governação e Parcerias Público-Privadas” este ano no mestrado em Economia no ISEG). Cavaco Silva esteve presente no lançamento dos livros de Miranda Sarmento , sobre a sua visão política para as finanças e o Estado , e o salto para Conselho Nacional de Estratégia do PSD (um “think tank” interno do partido) não foi estranho. Foi o homem das finanças públicas no consulado de Rui Rio que, para contrariar a aura do então ministro Mário Centeno, disse ter também o seu Centeno (“não sou o Centeno de ninguém”, diria ao Observador em 2020). Participou no programa eleitoral para as legislativas de 2019 e em 2022, ainda com Rui Rio, foi eleito deputado. O líder seguinte do PSD, Luís Montenegro, faz dele líder da bancada parlamentar, lugar no qual enfrentou resistências dos deputados da ala de Montenegro e a ironia do primeiro-ministro António Costa (que o apelidou de ponte entre o “passismo” e Rio) nos debates parlamentares. Quer em artigos de opinião, quer em intervenções como deputado fez críticas duras recorrentes ao Mário Centeno ministro das Finanças e, depois, ao Mário Centeno governador do Banco de Portugal. “Isto é apenas mais uma demonstração, mas bastante mais grave, da falta de independência que o governador do Banco de Portugal tem”, afirmou em novembro passado, quando António Costa tornou público o convite a Mário Centeno para este ser primeiro-ministro no seu lugar. A relação institucional entre o titular das Finanças e o governador do Banco de Portugal poderá não ser fácil. Reforma da gestão do Estado e menos impostos A caminho das últimas legislativas era dele o lugar de ministro sombra das Finanças no PSD , passará, agora, à ribalta. Miranda Sarmento, 46 anos, terá a dura tarefa de fazer encaixar as promessas eleitorais da AD na realidade orçamental e política dos próximos tempos. A primeira oferece alguma margem para medidas “simpáticas”, mas não tanta como se pensa. A segunda é a mais complicada, sendo grande a incerteza sobre a viabilização do Orçamento do Estado para 2025 (ou, antes disso, de um Orçamento Retificativo para 2024). Em dezembro, Sarmento assumia à SÁBADO que os planos orçamentais de um governo AD incluiriam sempre um “ligeiro excedente orçamental”. O novo ministro tem livros e vários artigos publicados no jornal digital Eco, nos quais defende ideias que geram celeuma e que dificilmente serão adotadas por um governo minoritário: a cobrança de um mínimo de IRS a todas as famílias, uma coleta mínima para as empresas que não pagam IRC ou a privatização do banco público Caixa Geral de Depósitos. Em dezembro não tocou nestes pontos na entrevista à SÁBADO e explicou que uma das suas grandes prioridades é a reforma da gestão financeira do Estado. “Não é compreensível que este gigante seja gerido do ponto de vista patrimonial, de recursos humanos e gestão de ativos com regras que vêm basicamente dos anos 80, algumas dos anos 60 até, e com tecnologia obsoleta. A reforma mais importante é a da gestão financeira”, afirmou. “É a que nos vai permitir identificar desperdícios, processos a simplificar e permitir alguma poupança. Mais do que poupança, permite sobretudo melhor utilização da despesa, melhores serviços públicos”, acrescentou. Além deste ponto é pública a sua defesa de um tratamento de exceção na contagem do tempo de serviço dos professores , “a carreira dos professores tem especificidades que outras carreiras não têm”, disse à SÁBADO , e de uma redução de impostos que incida no IRS e no IRC, uma das bandeiras eleitorais da AD. Resta saber que margem disporá para conciliar compromissos novos na receita e na despesa, mantendo as contas equilibradas , e quanto tempo terá nas Finanças para executar a reforma da gestão financeira do Estado. Bruno Faria Lopes 29 de março