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Nível de vida em Portugal com António Costa fica abaixo de Sócrates e Guterres na comparação com a média europeia

O PIB per capita português, ajustado ao poder de compra em cada país, marca passo face à média europeia há mais de duas décadas. Os anos de 2022 e 2023, ainda com António Costa, foram de recuperação, mas, ainda assim, o indicador ficou abaixo dos picos no passado: 2010 e 1999/2000. Os economistas estão pessimistas sobre próximos anos O nível de vida dos portugueses melhorou nos últimos dois anos, quando comparado com os parceiros europeus, mas não só se mantém ainda longe da média europeia, como tem vindo a estar consistentemente abaixo do pico alcançado em 1999/2000, altura em que António Guterres governava o país. A evolução dos últimos 20 anos do indicador do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, em paridades do poder de compra, e já descontando a inflação, expressa as dificuldades de convergência da economia nacional com muitos dos parceiros europeus. Olhando para a evolução do comportamento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita português face à média comunitária dos 27 países, considerando paridade de poderes de compra, e descontando o efeito da inflação (ou seja, em termos reais), verifica-se que os anos de 2022 e 2023 foram de recuperação. Portugal, conseguiu mesmo subir alguns lugares na tabela europeia. Contudo, este indicador-chave que nos dá uma medida da criação de riqueza e do nível de vida de um país, continua ainda abaixo do registado em 2010, o último ano em que esteve acima dos 80%, e, mais ainda, longe do pico de 85% registado em 1999/2000. Nestes anos estavam José Sócrates e António Guterres ao leme da governação. Apesar da recuperação entretanto registada nos últimos dois anos durante o Governo de António Costa, os economistas ouvidos pelo Expresso mostram-se pessimistas para o futuro. Portugal converge com média da UE PIB per capita expresso em paridade de poderes de compra, com UE27=100 (em %) Depois da trajetória positiva na segunda metade dos anos 90 (a série de dados do Eurostat começa em 1995) seguiram-se mais de duas décadas a marcar passo no processo de convergência nacional. Em queda após a dobragem do milénio e afundando nos anos negros da crise da dívida soberana e do consulado da troika, bem como na época da pandemia de covid-19, embora com algumas oscilações, Portugal foi ultrapassado neste indicador por vários países europeus, nomeadamente do antigo bloco de Leste, ficando muito mal colocado na fotografia europeia. O peso das sucessivas crises Luís Aguiar-Conraria, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, começa por destacar que “entre 2000 a 2013 foram anos muito difíceis para Portugal. Tivemos uma crise só nossa, a crise da tanga, de Durão Barroso. Tivemos a crise financeira, que atingiu todos, mas logo a seguir tivemos uma longuíssima crise que apenas afetou alguns países (a crise das dívidas soberanas)”. Acresce que “as qualificações académicas da população portuguesa eram muito mais baixas”, lembra o professor da Universidade do Minho. Como resultado, “é normal que tivéssemos divergido”, vinca. “Há vários fatores que se sobrepuseram ao longo do tempo”, nota, por sua vez, Miguel St. Aubyn, professor do ISEG e membro do Conselho das Finanças Públicas (CFP). Logo para começar, “antes de 2000 estávamos mais longe” da média europeia. “Quando já nos aproximámos mais, a convergência é mais difícil”. O professor do ISEG destaca ainda outros aspetos, como as dificuldades da indústria portuguesa, nomeadamente têxtil, com a concorrência asiática acrescida desde o inicio deste século; as dificuldades em atrair investimento externo estruturante, decorrente das nossas incapacidades estruturais e das alternativas existentes noutras paragens, por exemplo, nas economias da UE da Europa Central e de Leste. Acresce “a crise global económica e financeira, e a crise da dívida soberana, que, como se sabe, nos atingiu em pleno”, destaca Miguel St. Aubyn, salientando ainda “a persistência de uma estrutura económica que, apesar de alguma evolução, continua pouco concorrencial, burocrática, e assente em qualificações em geral baixas e em desigualdades económicas e sociais, às quais nos habituámos e que aceitamos como naturais”. “Entre 2000 a 2013 foram anos muito difíceis para Portugal. Tivemos uma crise só nossa, a crise da tanga, de Durão Barroso. Tivemos a crise financeira, que atingiu todos, mas logo a seguir tivemos uma longuíssima crise que apenas afetou alguns países (a crise das dívidas soberanas)” Luís Aguiar-Conraria “É preciso ter em conta “a persistência de uma estrutura económica que, apesar de alguma evolução, continua pouco concorrencial, burocrática, e assente em qualificações em geral baixas e em desigualdades económicas e sociais, às quais nos habituámos e que aceitamos como naturais” Sublinha Miguel St. Aubyn Recuperação pode não ser duradoura Apesar de tudo, após o forte tombo associado à pandemia de covid-19, altura em que a economia portuguesa foi das mais afetadas devido ao elevado peso do turismo, os anos de 2022 e de 2023 foram de recuperação no PIB per capita português (considerando paridade dos poderes de compra, em relação à media da UE) atingindo 81% dessa média. Portugal conseguiu até subir alguns lugares no ranking europeu, nomeadamente à frente de vários países do antigo bloco de Leste, que nos tinham ultrapassado ou estavam perto disso. Contudo manteve-se na parte inferior da tabela dos 27. Em 2023, Portugal ocupou a 15ª posição entre os 20 países da zona euro e a 18ª da União Europeia, o que compara com a 16ª e a 20ª, respetivamente, em 2022. Isto numa tabela liderada pelo Luxemburgo, com 237% da média comunitária em 2023. Nível de vida em Portugal recupera posições em 2023, mas continua mal colocado na União Europeia PIB per capita em 2023 expresso em paridade de poderes de compra, com UE27=100 (em %) Nesta evolução recente ajudou “a diminuição do excesso de dívida e o aumento das qualificações da população ativa”, desta Luís Aguiar-Conraria, considerando que “estavam reunidas as condições para retomarmos a convergência”. Até porque “o principal choque nos últimos anos, o preço da energia, atingiu Portugal e Espanha com menos violência”, acrescenta. Contudo, o PIB per capita português, considerando paridade dos poderes de compra ficou ainda nos 81% da média europeia em 2023, ou seja, abaixo do valor registado em 2010, quando o PS de José Sócrates governava o país. Nesse ano, este indicador atingiu os 82% da média comunitária (mais uma vez em termos reais, e com UE27=100). Isto antes do trambolhão nos anos seguintes, quando Sócrates teve de pedir ajuda internacional face ao impacto em Portugal da crise das dívidas soberanas, levando à chegada da troika ao país e a anos negros de austeridades. Sócrates acabou mesmo por demitir-se, levando a eleições antecipadas e à chegada ao poder da coligação PSD/CDS-PP liderada por Pedro Passos Coelho. Além disso, Miguel St. Aubyn destaca que “infelizmente, não foi o desempenho extraordinário da economia portuguesa a explicar”, em grande medida, esta convergência recente no nível de vida face à média dos 27. O economista lembra que “em 2023 a maior economia da União Europeia, a Alemanha, teve um crescimento negativo, e a França teve um desempenho medíocre”. Ou seja, “foi a tal média que foi bastante reduzida em crescimento, puxada para baixo por economias grandes e mais ricas e que se debatem com questões de ajustamento estrutural, nomeadamente relacionadas com os impactos da guerra na Ucrânia, com a transição energética e ambiental, e com as necessárias alterações no tecido industrial e na sua orientação”, saliente Miguel St. Aubyn, notando que “a economia portuguesa, por enquanto, não foi tão diretamente afetada”, por estes fatores, vinca. “Infelizmente, não foi o desempenho extraordinário da economia portuguesa a explicar” esta convergência recente no nível de vida face à média europeia. “Em 2023 a maior economia da União Europeia, a Alemanha, teve um crescimento negativo, e a França teve um desempenho medíocre” Lembra Miguel St. Aubyn A crise da educação e dos mercados externos Por isso, “não estou otimista”, revela Miguel St. Aubyn. E vinca: “Não antevejo uma convergência assinalável nos próximos anos”. E, para este economista a educação está no cerne dos problemas nacionais, apesar das melhorias nas últimas décadas das qualificações dos portugueses, sobretudo das gerações mais jovens. “Infelizmente, a classificação média das pessoas adultas portuguesas num recente estudo da OCDE sobre as qualificações é tudo menos encorajadora. Estamos nos últimos lugares na literacia, na numeracia e na resolução de problemas. A classificação dos nossos estudantes no TIMMS, outra comparação internacional, foi má, pior que em 2019. O nosso sistema educativo patina, faltam os professores e a motivação”, frisa Miguel St. Aubyn. Acresce que “as dificuldades da economia alemã ou francesa só nos podem prejudicar a prazo. Juntando os níveis fracos de investimento, as dificuldades em atrair e fixar capital, não vislumbro razões mais profundas para um crescimento sustentado”, argumenta Miguel St. Aubyn. Por isso, “não fico nada espantado” se Portugal for ultrapassado neste indicador por mais países da UE, afirma. Opinião partilhada por Pedro Brinca, professor da Nova SBE. O economista nota que “o principal motor do crescimento económico de 2023 foi o crescimento das exportações”, ao mesmo tempo que “tivemos uma inflação abaixo da média da zona euro e da União Europeia”. Factores que ajudaram à aceleração da convergência portuguesa com a média da UE. Assim, embora “acredite” que esse processo de convergência “continue”, Pedro Brinca avisa que “o ritmo é claramente insatisfatório”. E lembra que as previsões do Banco de Portugal e do Eurostat a prazos mais longos (2026 e 2027) para a economia nacional estão significativamente abaixo dos 2% “e apenas marginalmente acima da previsão de crescimento para a zona euro e na UE como um todo”. Assim, “apesar de ser um quadro bastante mais favorável do que o observado durante as duas primeiras décadas deste milénio, onde divergimos em vez de convergir, Portugal destaca-se pela negativa quando comparado com outros países do mesmo escalão de rendimento”, alerta Pedro Brinca. Dito isto, “o facto de termos as contas públicas e as contas externas perto do equilíbrio é um fator de estabilidade que dá alguma garantia que pelo menos esta dinâmica, de um crescimento marginalmente acima da média da zona euro e consequentemente alguma convergência, seja mantido”, considera Pedro Brinca. Não obstante “é bom lembrar que duas das principais economias da zona euro, Alemanha e França, estão numa fase mais negativa do ciclo pelo que a sua recuperação num futuro próximo poderá alterar este cenário”, aponta. Pedro Brinca concretiza o raciocínio: “No seu escalão de rendimento, com exceção da Estónia que está em crise mas cujas previsões apontam para um crescimento substancialmente mais forte do que o nosso já em 2025, Portugal está na cauda da europa no que diz respeito ao crescimento de longo prazo”. “O país apesar de ter conseguido atingir o equilíbrio das contas públicas e das contas externas, está longe de ter levado a cabo outras reformas estruturais de que precisa”, defende Pedro Brinca, considerando que “temos uma economia com uma estrutura produtiva excessivamente fragmentada, com enormes problemas de ambiente económico, que teimam em não ser resolvidos”. Tudo somado, “a acreditar nas projeções das principais instituições, como o Banco de Portugal ou o Eurostat, ser ultrapassado por mais países da UE será o cenário mais provável” para Portugal neste indicador do PIB per capita considerando paridade dos poderes de compra, e expresso em termos da média da UE 27, conclui Pedro Brinca. Portugal mais perto da média europeia no consumo, mas divergiu em 2023 Para além do PIB per capita, o Eurostat e o INE apuram outro indicador, a despesa de consumo individual per capita, considerando também paridade dos poderes de compra, e expressa em termos da média da União Europeia (UE27=100 ao longo da série, que começa em 1995). Um indicador que, segundo o INE “constitui um indicador mais apropriado para refletir o bem-estar das famílias”. Ora, neste indicador há menor amplitude de diferenças entre os países da UE e Portugal até fica mais perto da média comunitária, situando-se nos 85% em 2023, numa lista liderada que volta a ser liderada pelo Luxemburgo com 136% da média da UE27. Portugal mais perto da média europeia ao nível do consumo Despesa de Consumo Individual per capita expressa em paridade de poderes de compra, com UE27=100 (em %) O problema é que Portugal, em vez de convergir com a média europeia em 2023, divergiu ligeiramente neste indicador, indicam os dados do INE e do Eurostat. Os referidos 85,% da média da UE em 2023 “ficaram 0,3 pontos percentuais abaixo do observado no ano anterior”, revela o INE Mais ainda, Portugal desceu no ranking dos 27 neste indicador. Portugal piora a sua posição na UE em 2023 ao nível do consumo Despesa de Consumo Individual per capita em 2023 expressa em paridade de poderes de compra, com UE27=100 (em %) Os dados mostram quem Portugal ficou na 15% posição da zona euro em 2023, o que compara com a 14ª em 2022. E, no conjunto dos 27, ficou pelo 18º lugar, quando estava no 17º em 2022. Os próximos anos dirão se os receios dos economistas se confirmam. PIB per capita PPP – que indicador é este?Mas, porque é que o PIB per capita, considerando paridade dos poderes de compra e expresso em relação à média europeia é tão importante? Este indicador mede a riqueza criada por um país ou região, ponderada pela dimensão da sua população, logo, dá-nos uma medida do seu nível de vida. Além disso considera paridade de poderes de compra, o que nos permite fazer comparações entre países e regiões com custo de vida muito diferente entre si. Por exemplo, entre Portugal e a Suécia. Isto torna-o um indicador-chave para comparar países e regiões. Além disso, medido em percentagem da média da União Europeia, considerando sempre a a atual composição de 27 Estados-membros (UE 27=100) permite-nos analisar a trajetória dos países não só em relação à média, mas também entre si. Ou seja, fazer um ranking, e observar as suas alterações ao longo do tempo. E os dados mostram a difícil convergência portuguesa no seio da UE há mais de duas décadas. Sónia M. Lourenço Jornalista Sónia M. Lourenço