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"Pato-bravo", "crise cambial" e "incompetência gigantesca"

Economistas alertam para riscos da agressiva política de tarifas de Donald Trump Quis o acaso que a primeira reunião dos economistas eméritos da Ordem dos Economistas (ver caixa) acontecesse na semana em que Donald Trump lançou um terramoto sobre a economia mundial. Não poderia haver melhor assunto. O tema era “Transformações na Economia Global: o futuro a curto e médio prazo e o papel dos Economistas”, mas foi a nova política de tarifas e o seu impacto na economia mundial que marcaram grande parte das intervenções. Donald Trump “é aquilo nós, portugueses, chamaríamos um pato-bravo”, um homem da construção civil, diz Luís Mira Amaral. O ex-ministro da Indústria de Cavaco Silva, com uma longa carreira no mundo empresarial, usa a imagem popular para sintetizar o comportamento do presidente dos EUA. Augusto Mateus, ex-professor do ISEG com uma passagem pelo Governo de Guterres como ministro da Economia, deixa o aviso: “Se não houver bom senso, vamos caminhar desta crise no comércio para uma crise cambial.” O impacto no dólar e no sistema cambial que preocupa o economista: estamos perante um grau de “incerteza e conflitualidade a que não estávamos habituados” há décadas. Para Vítor Constâncio, sempre atento ao tablet onde seguia os últimos desenvolvimentos nos mercados, a estratégia da Casa Branca caracteriza-se numa frase: “O grau de incompetência do Peter Navarro é gigantesco.” Navarro é conselheiro de Trump e um dos estrategos da política de tarifas que, na semana passada, lançou taxas sobre dezenas de países. O impacto imediato foi enorme e os países já começaram a reagir. Houve quem apresentasse contrapropostas (como a Europa que propôs tarifas zero para produtos industriais) e quem ripostasse, como a China. Para já, a turbulência é apenas financeira mas acabará por chegar à economia real. O ex-vice-presidente do Banco Central Europeu diz que “não é certo que haja uma recessão mundial” mas tal pode ser inevitável nos EUA. Constâncio não tem dúvidas de que se trata de “uma alteração estrutural da ordem mundial”, baseada numa “conceção de mercantilismo primitivo”. E alerta que o aumento da desconfiança sobre o dólar num país com uma posição negativa de investimento internacional a rondar 90% do PIB tem um “potencial devastador”. Para onde caminha Trump? Um dos maiores desafios nesta fase é tentar perceber a estratégia de Donald Trump. Adriano Pimpão, ex-reitor da Universidade do Algarve, não tem dúvidas de que “Trump tem um guião de política económica”. Difícil mesmo é interpretá-lo. Para João Ferreira do Amaral, professor catedrático aposentado do ISEG, está certo de que “o processo de globalização como estava já não volta” e que o melhor cenário é haver uma globalização por blocos económicos. É isto que a administração americana pretende? Não sabemos. “Não vai haver tempo para avaliar a política de Trump”, garante Eduardo Catroga. O ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva com longa experiência no sector privado, tem dúvidas de que, a prazo, a política das tarifas tenha efeitos positivos. Mas, mesmo que remotamente tal possa acontecer, os efeitos demorarão tempo a ser visíveis. Um calendário dificilmente compatível com o ciclo político americano que tem eleições intercalares marcadas para novembro de 2026. E os sinais de impaciência começam a notar-se no Partido Republicano. A Europa está no bom caminho? Na reação às tarifas, a União Europeia (UE) apenas propôs isentar de tarifas os bens industriais e tem sido contida no uso da palavra retaliação. Para grande parte dos economistas, a política de Trump vai servir como incentivo a que os europeus se mexam. E já está a acontecer, desde logo na Defesa. Constâncio considera que “a Europa teve uma reação muito positiva” desde que Trump chegou à Casa Branca, referindo-se às medidas tomadas na Alemanha e ao novo plano de defesa da UE. Mira Amaral diz que “a defesa não contar para o défice é uma falsa questão” porque, mesmo que contabilisticamente fora, será sempre dívida para pagar e os países têm limites orçamentais a cumprir. “Temos pouco tempo para nos entendermos sobre a construção europeia”, avisa Augusto Mateus. “A UE tem de fazer reformas institucionais”, acrescenta Catroga, identificado áreas como a governance (acabar com regra da unanimidade), a união da energia ou da defesa e também um novo papel para o BCE. Para Américo Ramos dos Santos, professor catedrático aposentado do ISEG, o problema está no modelo icebergue que usamos em quase tudo: só olhamos para 10% da realidade. O economista recorda dois documentos a que não se deu a devida atenção: os relatórios Draghi e Letta. “A arquitetura institucional europeia como existe não pode continuar.” Mira Amaral recorda que o potencial de crescimento do PIB português anda à volta de 2% o que quer dizer que, a menos que haja mudanças estruturais, dificilmente se conseguirá muito melhor do que isto. Falta planeamento estratégico e deixa um exemplo: “Quando vejo a IA a ser tratada pela ministra da Juventude está tudo dito.” E a crise política vem atrapalhar? Catroga diz que sim: “Não há boa economia sem boa política. Não é com eleições todos os anos.” Para o economista, estabilidade governativa, políticas estáveis e preocupação com o longo prazo são essenciais. Constâncio, numa perspetiva de curto prazo, não acredita que a crise política tenha grande impacto enquanto “PS ou PSD estiverem no Governo” porque ambos são bem vistos no exterior, nos credores da nossa dívida ou nas agencias de rating. Reunião de economistas eméritos O título de economista emérito foi criado pela Ordem dos Economistas para reconhecer os que “se distinguiram com percurso profissional e cívico de reconhecido mérito”. São 12 atualmente. Nesta primeira reunião realizada na semana passada em Lisboa estiveram presentes Luís Mira Amaral, Eduardo Catroga, Vítor Constâncio, Américo Ramos dos Santos, Augusto Mateus, Adriano Pimpão, João Ferreira do Amaral, José Manuel Monteiro da Silva e Francisco Murteira Nabo. Manuela Morgado, Manuela Ferreira Leite e Miguel Cadilhe não estiveram presentes. João Silvestre Editor Executivo João Silvestre