Seis em cada dez pessoas têm dificuldade em pagar casa
09-11-2023
Primeiro barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a crise na habitação revela que em média os agregados pagam 573EUR mensais fixos com o empréstimo ou a renda, e os arrendatários do setor privado são aqueles com custos mais elevados (679 euros/mês).
Uma em cada quatro pessoas inquiridas pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) já viu importantes decisões de vida condicionadas por causa das dificuldades no acesso à habitação.
Esta é uma das principais conclusões do barómetro da Fundação que traça um retrato daquele que é, neste momento, um dos maiores dramas da sociedade portuguesa: a crise na habitação.
Depois de, em julho deste ano, ter divulgado o policy paper “A crise da habitação nas grandes cidades” e, em 2022, o estudo “O Mercado Imobiliário em Portugal”, a FFMS aumenta agora o volume de dados disponíveis sobre este setor, através do barómetro “que permitirá ter mais e melhores dados sobre as condições em que as famílias vivem, as necessidades e dificuldades que enfrentam, e as suas perceções e convicções sobre este tema”, disse ao DN fonte daquela instituição. Para tal, foram ouvidas “mais de 1000 pessoas, num inquérito executado pela DOMP, S.A., que resultou num relatório da autoria de Alda Azevedo (ICS-ULisboa) e João Pereira dos Santos (ISEG)”.
As conclusões sublinham que a população inquirida reside, em média, há 20 anos na casa em que vive atualmente. A maioria vive em casa própria (66%), sendo que destes, 31% ainda estão a pagar empréstimo. De entre os arrendatários (17,2%), um em cada seis não tem contrato escrito.
O universo deste estudo é composto por 1086 residentes em Portugal Continental, dos quais 52% são homens e 48% mulheres, com uma idade média que ultrapassa os 51 anos. Do total, 22% dos inquiridos tem entre 18 e 34 anos, 33% entre 35 e 54 anos, e 45% tem 55 ou mais anos. O trabalho de campo decorreu entre meados de agosto e 17 de setembro.
“Não obstante fortes diferenças regionais, os agregados que têm custos com a casa (51%) despendem, em média, 573EUR mensais fixos com o empréstimo ou a renda, e os arrendatários do setor privado são aqueles com custos mais elevados (679 euros/mês). 62% destes agregados, isto é, 6 em cada 10 pessoas, sentem algum grau de dificuldade em fazer face aos custos mensais com a habitação, e 13%, ou seja, 1 em cada 8, sentem mesmo grande dificuldade em pagar as despesas”, sublinham os autores do estudo que permitiu este barómetro.
Mais de metade dos inquiridos apontam como fator essencial na escolha da habitação tratar-se de uma casa que consigam pagar. Referem em segundo lugar a (boa) acessibilidade e transportes e, logo depois, a proximidade ao local de estudo ou trabalho. A qualidade da habitação surge apenas em quarto lugar.
É certo que a maioria dos inquiridos (81%) diz-se satisfeita com a casa em que reside, mas dois terços identificam reparações ou melhorias urgentes a fazer na sua habitação. À cabeça, estão a necessidade de isolamento das janelas e/ou das portas (15,1%), a reparação de infiltrações ou situações de humidade no teto e nas paredes (10,7%), e a pintura de paredes (9,9%).
O risco de perder a casa
Um em cada nove inquiridos (12%) pensa estar em risco de perder a sua casa nos próximos cinco anos, pelo aumento da renda ou da prestação do crédito à habitação (50%) ou por iniciativa do senhorio (28%). Se tivessem de sair da casa onde vivem, 34% dos inquiridos referem que não teriam para onde ir, ou seja, necessitariam de alguma forma de apoio social.
Ana Santos, professora do Ensino Básico e residente num bairro habitacional de Coimbra, configura um desses casos, tal como admitiu ao DN. Há oito anos que mora com os dois filhos menores num T2 arrendado, para onde se mudou depois do divórcio. “Já renovei o contrato, mas vivo na angústia de o senhorio querer arrendar a casa em quartos a estudantes, como está a acontecer em vários locais da cidade”, relata. E por isso nada neste barómetro a surpreende: “Parece-me que a maioria dos portugueses não tem noção do que é viver com esta incerteza, que ainda por cima afeta mais as mulheres, sozinhas e com filhos”, acrescenta.
No universo dos inquiridos pelo menos um em cada quatro (27%) refere que o acesso à habitação já condicionou decisões diversas de vida, desde 2015. A percentagem é maior entre os arrendatários e os mais jovens (36% para a faixa etária 18-34 anos, e 33% para a faixa 35-54 anos). As decisões de vida que afirmam terem sido mais condicionadas são mudar de localidade de residência (35%), sair de casa dos pais (32%), ir viver sozinho/a (28%) ou casar/ir viver com outras pessoas.
Numa escala de 1 (mais importante) a 6 (menos importante), o fator que mais inquiridos consideram que explica a atual situação do mercado imobiliário é o baixo investimento público em habitação (22,4%). A falta de casas disponíveis surge de seguida (22,3%), mas este é também o fator considerado como o menos importante por mais inquiridos (24,7%).
O terceiro fator apontado como mais importante diz respeito às deficiências na regulação do mercado da habitação (20,1%). “Estes fatores, relacionados com a oferta, prevalecem na perceção dos inquiridos, em detrimento de outros que se relacionam com a procura. Não obstante, verifica-se uma grande dispersão nas respostas dos inquiridos, demonstrando a falta de consenso sobre o diagnóstico das causas da crise na habitação”, sustentam os autores do estudo.
paula.sofia.luz@ext.dn.pt
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[Additional Text]:
Grande parte da população portuguesa vive em casa própria.