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Trigo Pereira: “Mudar o sistema eleitoral obriga a uma alteração no funcionamento dos partidos”

Paulo Trigo Pereira é promotor de uma iniciativa cidadã para mudar o sistema eleitoral, combatendo o desperdício de votos e aproximando eleitos de eleitores. Objectivo passa por renovar a democracia. Professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), ex-deputado independente eleito pelo PS e, depois, deputado único, Paulo Trigo Pereira lança esta quarta-feira o movimento Renovar a Democracia, com base no Manifesto para a Reforma do Sistema Eleitoral. O objectivo é a elaboração de um projecto de lei eleitoral para a Assembleia da República. E se o processo seguir bom curso, terminará com uma recolha de assinaturas para apresentar, no Parlamento, uma iniciativa legislativa cidadã para a revisão do sistema eleitoral das legislativas. O académico considera que esta reforma nunca foi feita porque é preciso redesenhar os círculos eleitorais e isso obriga à reorganização dos partidos, “porque todos são baseados em distritais e as distritais são os círculos eleitorais”. Acredita que os partidos parlamentares aprovarão as alterações que vão propor? Este projecto é um projecto cujo sucesso dependerá de duas coisas. Do envolvimento que conseguirmos dos cidadãos e da disponibilidade dos actores políticos, que vão estar envolvidos ao longo do processo. Não é só no fim, com a entrega da iniciativa legislativa. Eu já falei com deputados. Desde a revisão constitucional de 1997, que se procura mudar o sistema eleitoral. Por que razão o PS e o PSD nunca conseguiram fazer essa reforma? Penso que todos os partidos reconhecem as fragilidades do actual sistema eleitoral. Sendo que uma delas é o desenho dos círculos eleitorais, que cria uma grande injustiça entre os eleitores que estão no interior e os que vivem nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, que podem votar em qualquer partido. Um dos objectivos é combater o desperdício de votos? Apesar de todos os partidos o reconhecerem, não tem havido motivação política suficiente para alterar o sistema eleitoral. Tem havido uma conversa de surdos, em que o PSD insiste na redução do número de deputados. O PS, com António Vitorino , que é um dos subscritores do manifesto ,, nessa altura [1997], apresentou um sistema com círculos uninominais. E não tem havido nenhuma alteração. A explicação que eu dou, e que já escrevi até em livro, é que mudar o sistema eleitoral obriga a uma alteração no funcionamento dos partidos políticos. Porque todos são baseados em distritais e as distritais são os círculos eleitorais. Portanto, haver uma alteração dos círculos eleitorais, implica alteração na estrutura dos partidos. O lançamento deste manifesto está associado ao lançamento de um crossfunding. Porquê? Porque aquilo que eu concluí, ao fim de 30 anos a acompanhar estas matérias, é que ou os cidadãos se envolvem activamente na reforma e dão um sinal forte aos partidos políticos, de que querem uma mudança, ou nunca haverá reforma do sistema eleitoral. Mas o crossfunding também é para obter donativos? O crossfunding é o chamado financiamento colaborativo. Queremos que este projecto seja colaborativo e com o máximo de abertura. E este projecto tem financiamento zero até agora. Criar um movimento, organizar debates, fazer um site, com informação sobre os sistemas eleitorais, exige recursos. É uma forma de criar uma rede. As pessoas poderão, se estiverem mobilizadas, contribuir com alguma coisa. E se chegarmos à fase das assinaturas, serão convidadas a assinar. No fundo a ideia é a mudança. E isto não se aplica só à questão do sistema eleitoral, aplica-se à justiça, à saúde. A mudança estrutural, em Portugal, necessita dos cidadãos e de iniciativas cidadãs como esta. Falou há pouco de António Vitorino. Pode revelar alguns nomes dos promotores que mais se envolveram no início desta iniciativa? O início desta iniciativa foi muito dentro do Institute of Public Policy [think tank]. Basicamente, eu e a investigadora Sofia Serra da Silva. A iniciativa partiu daqui. Obviamente que todas as pessoas convidadas para subscrever têm uma ligação com o manifesto, nalguns casos, pública. É o caso de António Vitorino, de Jorge Lacão e de Luís Marques Mendes, porque foram eles que negociaram pelo PS e PSD, respectivamente, a revisão constitucional. E eu estou muito satisfeito que eles tivessem aceitado subscrever este manifesto. Vão envolver, neste processo, políticos no activo? Sim, numa segunda fase. Numa primeira fase, vamos trabalhar, essencialmente, dois projectos de reforma, com duas visões diferentes em relação à reforma. Porque os subscritores deste manifesto não concordam todos com o mesmo modelo. Mas não podemos abrir a N modelos. Quais são os modelos? Há, basicamente, dois modelos que têm sido discutidos, nos últimos 30 anos, para os quais vamos convergir. Um é o sistema misto de representação proporcional, que é inspirado, mas não igual, ao modelo alemão e neozelandês. Em que os cidadãos têm dois votos, um num partido em lista, outro num candidato de um círculo uninominal. O outro modelo é o chamado voto preferencial em lista, em que os cidadãos têm um boletim de voto, em que podem votar numa lista, mas num candidato em particular. O que é que estes dois modelos, que são completamente diferentes, têm em comum? É a capacidade de os cidadãos votarem em homens e mulheres concretos, de carne e osso, e não apenas numa lista fechada e bloqueada. Qual o peso que a Academia vai ter neste processo? Numa primeira fase, o envolvimento é sobretudo académico. Ou seja, vamos trabalhar para discutir tecnicamente propostas sólidas, em relação aos dois modelos que acabei de referir. Sou defensor de um sistema de voto duplo. Mas há problemas técnicos, que os alemães estão a tentar resolver. E estamos em contacto com esses académicos alemães. O envolvimento da Academia é internacional. É um envolvimento internacional da Academia para encontrar projectos robustos. Logo que eles existam, passamos a uma segunda fase, que é a do diálogo com os actores políticos que são fundamentais em todo este processo. Aliás, muito provavelmente haverá uma conferência, em meados de 2025, já para discutir projectos concretos. E aí, obviamente, os actores políticos entrarão com mais força. Quando houver projectos sólidos , e isto é fundamental ,, vamos reforçar o nosso diálogo, que já começou, com actores políticos, para tentar gerar algum consenso, que é o mais difícil. Quando entregarem o projecto no Parlamento, não teme que, depois de aprovado na generalidade, no debate em especialidade, os deputados venham a fazer alterações radicais ao vosso projecto? Alterações radicais não me parece possível. Se o projecto for aprovado na generalidade, a especialidade não altera o modelo. Aquilo que obviamente pode acontecer é, por arrastamento, os partidos apresentarem propostas diferente. Isso pode acontecer e tudo dependerá do consenso que tiver sido gerado antes da apresentação. Confia que vão conseguir esse consenso? Depende muito da adesão dos cidadãos. Imaginemos que havia 25.000 assinaturas. Isto era um sinal, acho eu, muito forte de que os cidadãos desejam resolver os problemas do actual sistema eleitoral. O problema de que, em Portalegre ou em Beja, ou o eleitor se identifica com os dois grandes partidos do distrito ou o voto é desperdiçado. Nas últimas eleições, mais do que um em cada quatro votos, no Alentejo, foi desperdiçado. Foi para partidos que não elegeram ninguém. E, mesmo assim, há voto útil. Ou seja, já houve pessoas que não devem ter votado naquilo que desejariam, porque sabem que não elegem ninguém. Isto é justo? Bom, penso que toda a gente acha que isto é injusto. Portanto, depende muito da adesão da sociedade civil. Porque os políticos são atentos à sociedade civil e respondem de certa maneira à sociedade. Portanto, é completamente diferente entrar numa iniciativa subscrita por 20.000 ou 30.000. É completamente diferente.