Um quarto da população portuguesa vive com menos de 738 euros por mês
05-12-2024
Cerca de 20 mil pessoas saíram da situação de pobreza em 2023. Para atingir a meta até 2030, é preciso tirar mais 700 mil
A redução da pobreza em 2023 é um avanço, mas curto: contam-se menos 20 mil pobres face ao ano anterior. O país continua a ter 1,76 milhões de portugueses (16,6%) a viver abaixo do limiar de EUR632 por mês. Para que Portugal cumpra uma das metas da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza – chegar a 2030 com um máximo de 10% de população pobre – ainda é preciso tirar mais 700 mil pessoas dessa situação, aumentando os seus rendimentos mensais.
A estratégia é do anterior Governo, mas o atual Executivo continua a vê-la como resposta ao “compromisso” com a Europa. “É para esse objetivo que o Governo está e vai continuar a trabalhar, de forma empenhada, monitorizando as medidas, para as melhorar e tornar mais eficazes, garantindo maior proximidade na resposta”, disse o Ministério do Trabalho e da Segurança Social ao Expresso.
Os dados do “Inquérito às Condições de Vida e Rendimento” conhecidos esta semana, e que são publicados anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), permitem ver quão baixos são os rendimentos da generalidade da população. Basta usar uma linha de pobreza alternativa para perceber que um em cada quatro portugueses (24%) vive com menos de EUR738 por mês. São 2,56 milhões de pessoas nessa situação, mostram os dados do INE, usando o limiar que corresponde a 70% (em vez de 60%) da mediana dos rendimentos líquidos da população.
“Esta linha de pobreza alternativa tem a vantagem de englobar os mais vulneráveis, aqueles que estão um pouco acima do limiar habitual para serem considerados pobres, mas que rapidamente podem cair nessa situação. Basta que se vejam perante uma mudança nas suas vidas, quer seja desemprego, doença ou divórcio, ou então perante uma mudança estrutural da economia”, explica Fernando Diogo, professor na Universidade dos Açores e investigador do CICS.NOVA.
Evolução da taxa de pobreza Em %
O que as estatísticas da pobreza não captam é o impacto do aumento do custo de vida – e o peso crescente de despesas básicas, como habitação e alimentação – no orçamento das famílias. Carlos Farinha Rodrigues, especialista em pobreza e professor no ISEG, admite o risco de não se ver esse agravamento nestes indicadores. “O acréscimo do custo de vida só é apanhado muito parcialmente no inquérito através dos indicadores de privação. E esses números mostram, por exemplo, algum agravamento na percentagem da população que tem em atraso o pagamento de despesas de habitação devido a dificuldades económicas.”
Taxa de pobreza Em %, por grupo etário
Fernando Diogo manifesta-se “genuinamente preocupado” com o impacto do mercado da habitação nas condições de vida dos portugueses mais pobres. E é também esse “o principal foco de preocupação” das entidades sociais no terreno, em contacto com a coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, Sandra Araújo. “O problema da habitação não é só a falta de casas, mas os preços incomportáveis das casas e o aumento dos custos do arrendamento”, afirma. “Os preços da habitação têm aumentado a um ritmo significativamente superior ao dos salários, criando um desfasamento preocupante no poder de compra das famílias.” E uma das consequências visíveis é a degradação das condições de habitação, como o aumento da sobrelotação.
Viver com salário mínimo
Para quem vive com o salário mínimo de EUR820 (EUR730 líquidos depois de descontar para a Segurança Social), a realidade é pesada e o aumento para EUR870 em 2025 (EUR774 líquidos) ajuda, mas não chega. Até porque, frisa Sandra Araújo, a subida “não acompanhou o ritmo da inflação e dos preços da habitação”, continuando “distante das necessidades impostas pelo aumento do custo de vida”.
Os dados do INE mostram que, em 2023, os adultos em idade ativa eram o grupo com o risco de pobreza mais baixo (14,4%). Nas crianças continua alto (17,8%), apesar de ter caído para a taxa mais baixa em 20 anos, desde que o INE produz estas estatísticas. Em destaque está a população mais velha: um quinto (21%) dos maiores de 65 anos vive com menos de EUR632. “O aumento verificado entre os idosos em 2023 pode ser explicado, em parte, por uma quebra de série ao terem sido integrados dados fiscais no apuramento das pensões. A subida da linha de pobreza de EUR591 para EUR632 é outra explicação, porque em 2022 havia quase 100 mil pessoas idosas com rendimentos nesse intervalo”, diz Farinha Rodrigues.
Mesmo com menos 20 mil pessoas em situação de pobreza, Portugal mantém-se acima da taxa de 2019 (16,4%) – o ano usado como ponto de partida das metas para 2030. Além da redução da taxa de pobreza para 10%, o objetivo é encurtar para metade a pobreza entre as crianças e os trabalhadores.
Raquel Albuquerque
Jornalista